Pela tela do meu computador enxergo a minha sereia. Linda, sedutora e que me olha com amor. Neste canto moderno, sou seduzido pelo vazio. Sem esforço, sem insegurança, sem pesar. Sua força está no fato de que o meu mundo individual é regado pela satisfação dos sentidos; não preciso de ninguém – bastam imagens e cenas fabricadas pela indústria da fantasia, disponíveis a um simples toque.

Mal sabemos, no entanto, que é bem real o desvio de rota que fazemos quando sucumbimos diante da fantasia. Abandonamos o que cremos, ignoramos o que amamos e nos perdemos na confusão de sensações gostosas.

Estamos diante da perversa atração do mundo virtual. E nos entregamos a ele, confundindo tal entrega com liberdade. Somos livres mesmo? Fazer o que o impulso primário deseja é ser livre? Se fôssemos seres angelicais, talvez. Mas a história do mundo e nossa própria experiência pessoal confirmam: há uma guerra dentro de nós. Ingênuo é quem subestima a si mesmo. Como disse o escritor russo Fiódor Dostoievsk, “em todo homem, naturalmente, há um demônio escondido”.

O mundo virtual pode nos unir e nos ajudar a compreender a realidade, mas também pode se tornar nosso algoz quando confundimos a fantasia a nós oferecida com o sentido real da vida. Somos pessoas comuns, nem sempre conseguimos dialogar com os outros, temos dúvidas, cometemos pecados, sofremos e fazemos sofrer. Às vezes, comemos além da conta, outras abraçamos os amigos com satisfação. Há noites em que lembramos da infância perdida e choramos. Somos pessoas normais, com erros e acertos. E podemos olhar para nós mesmos, com honestidade, e dizer: “preciso melhorar nisso”; “sou bom naquilo”. Os vícios virtuais conspiram contra este olhar honesto, e nos fazem crer no canto da sereia. A tragédia é já não ansiarmos por redenção, por não sabermos mais onde estamos e quem somos.

Daí um conselho para mim mesmo (e, se você aceitar, para você também): antes de mergulhar nas águas infinitas das páginas virtuais, lave-se na verdade sobre você. Não permita que a ilusão do mundo da internet domine sua vida – por mais imperfeita que ela seja, é a sua própria vida. E não há nenhuma outra.

  1. Ótimo texto, Lissânder. Eu lembrei de uma canção do Paralamas do Sucesso que diz “Fico em casa; não vejo Deus”.
    Acredito que a vida está lá fora. No toque, cheiro, olhar… e por mais que pareça, o virtual não é o real. É apenas uma janela. Um perfil do twitter ou facebook jamais vai nos descrever fielmente.
    Por mais que a internet seja um delicioso canto, a vida está no respirar (não no conectar).
    Valeu pela reflexão,
    Marcelo

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