Era uma vez uma história. Com ela, palavras, imagens, significados, pessoas. Era uma história tão boa que virou lenda. De geração em geração, era lembrada por adultos e ensinada aos jovens e às crianças.

Seus detalhes enchiam os corações de esperança e traziam a vontade de mudar a realidade. E, de fato, a realidade mudava. Não se desejava outra coisa, senão que a história fosse contada mais uma vez. Nas esquinas, era cantada em verso e prosa. Nas ruas, as crianças a cantarolavam do seu próprio jeito, desafinado, mas divertido. A vida foi sendo feita e refeita em torno da história.

Mas o tempo foi passando, e a história foi perdendo seu valor. Não porque deixou de ser amada, mas porque as pessoas passaram a amar a história da história. O que era propriamente dito deixou de ser repetido e ensinado. As pessoas preferiam dizer o quanto era importante ter uma história e de como o seu povo valorizava a história. Começaram a contar casos de pessoas que enfrentaram perigos para preservar a história. Outros realizaram conferências com pensadores que apresentavam suas dissertações e raciocínios sobre o valor cultural e simbólico da história. Um dia, enfim, o pior aconteceu: alguns começaram a pensar que havia outras histórias de semelhante valor, e que o que realmente importava era ter o que contar.

Com o tempo, poucos ainda se lembravam da verdadeira história, em seus mínimos detalhes. O modo de vida das pessoas foi mudando, e para a pior. Isso porque os bons desejos, outrora gerados pela história, agora eram egoístas. Outras histórias, reproduzidas em imagens (3D) perfeitas e belas, pareciam mais reais, mesmo que seus conteúdos fosse estranhos.

Como se não bastasse, até estas novas histórias deixaram de ser histórias, porque, ora não tinham início, ora não tinham final. Eram por demais fragmentadas para que fossem consideradas, de fato, histórias. Se, por exemplo, se pedisse para uma criança contar uma história, ela não saberia. Relataria, provavelmente, a última manchete de jornal ou um pensamento em 140 caracteres.

E o tempo foi passando, mais e mais. As lembranças também. O povo que vivia e celebrava a história, agora já não sabe muito bem para onde ir. Está confuso, porque são tantas informações, tantas perguntas, mas poucas respostas! Está triste, porque todas as celebrações são tão sem sentido e fugazes, que, mesmo sorrindo, as pessoas sentem falta de algo mais que dê uma razão para os dias seguintes – de trabalho, e não de festa.

A verdadeira história, porém, não deixou de existir. Ela é tão poderosa que sobrevive. Vez ou outra, jorra da boca de alguém, mesmo que despretensiosamente. As pessoas ficam incomodadas e se perguntam por que este alguém falou isso ou aquilo. Não sabe, ele diz, mas tem certeza de que um sentimento estranho, uma certa saudade, cresceu em seu peito.

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