Sou jornalista por formação, e, naturalmente, tenho amigos jornalistas. Bem da verdade, já faz tempo que não exerço a profissão em uma redação diária convencional. Não vivo mais aquela tensão de todos os dias em busca de notícias. Confesso: às vezes, sinto um pouco de saudades, apesar de ter vivido algumas insatisfações no meio.

Por isso, me ponho a refletir um pouco sobre nossa atuação diante dos fatos recentes. Nos últimos dias, o Brasil está ouvindo uma espécie de “música de uma nota só”: o caso da morte trágica da menina Isabella. É realmente inaceitável o que aconteceu. No entanto, olho com preocupação o papel da mídia.

Apesar do ceticismo característico, vez ou outra os jornalistas (ou os jornais?) se convencem de que podem espurgar o mal. Para isso, basta mostrá-lo repetidamente, e cada vez mais. Como nossa formação existencial (talvez não tão convicta assim) se relaciona com a existência do mal (ou da maldade)? Como nós, jornalistas, podemos analisar com honestidade que nosso humanismo ingênuo não é suficiente para explicar a realidade? Somos amigos ou inimigos do mal? O que ele significa para nós?

Não quero pensar o pior: que os jornais se aproveitam do caso Isabella para aumentar a audiência de seus programas e meios. É fato que isso realmente aconteceu (o aumento da audiência). No entanto, sei que muitos jornalistas o fazem movidos por uma – talvez inesperada – indignação. Outros, é verdade, não sentem nada, a não ser o dever de divulgar mais uma notícia. Os donos de jornais, esses sim, pensam mais na audiência.

É incoerente também constatar que mesmo dando tanta importância a fatos como este, a mídia os ignora posteriormente como se ignorasse um filme repetido. Tanta relevância deveria gerar mais compromisso dos meios de comunicação, não acham? Ou a história só existe enquanto a telas dos jornais a exibem? Um drama não pode ser contido no tamanho de uma lauda. Ele vai além da nossa habilidade de formular frases e de nossa capacidade de concisão.

Não quero acreditar também que a mídia brinca com a realidade. Ela não pode ser um garoto arteiro que maltrata o gatinho de casa só para ouvir os gritos do animal e para sentir-se mais poderoso. Violência e morte de crianças é uma realidade cruel em nosso país. Acontecem todos os dias, principalmente nos lugares mais pobres. Agora me digam: por que suas histórias também não são contadas? Quem determina a pauta? Quais os critérios? Quais objetivos? Quem se importa com o acontece com pessoas pobres nos rincões do nosso país?

Vale aqui pararmos para pensar como anda nossa ética como jornalistas. O que nos resta neste famigerado mundo de notícias, correria e descrições rápidas? Quais nossos valores reais? O que nos move? Perguntas que podem nos ajudar a escrever a próxima notícia.

  1. Li, Concordo com várias de suas reflexões. No entanto, é preciso observar sem hipocrisia que somos jornalistas:vivemos de fatos, de realidade. A nós, cabe mostrar o que ocorreu, com o cuidado de não julgar ou condenar sem provas. Qto a dar continuidade, não podemos seguir permanentemente um caso. Isso cabe à Justiça. Como Isabella, muitas outras crianças morreram nas últimas semanas vitimas de violência. Por que não ganharam a mesma repercussão? Não sou eu que vou responder. Acredito apenas que volta e meia aparecem casos emblemáticos, como o de Isabella, que servem para fazer a sociedade refletir sobre para onde estamos indo nesse mundo louco. Muitos jornalistas estão fazendo um trabalho sério neste caso. O resto é a praga do sensacionalismo, “doença” típica do mundo moderno e bastante alimentada pela boa e velha curiosidade humana. Sobre isso, poderíamos passar horas e horas conversando, buscando explicações sociológicas, o que não vem ao caso agora.

  2. Meu caro, muito sensatas as suas palavras. Estou de acordo com elas. Fiquei chocado quando me contaram da forma com que o caso Isabella foi tratado pelo programa Balanço Geral, da Record São Paulo. O sensacionalismo solapou o respeito à vida humana… Qualquer que seja nosso trabalho, devemos fazê-lo tendo em vista a reverência total pela vida humana. Abraços fraternos.

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