Jesus Cristo e a Bíblia

O ofício profético: Cristo e a Palavra de Deus

Texto básico: Isaías 52.13–53.12

Leitura diária
D Jo 14.16-31 Cristo e o Espírito
S Jo 16.1-24 A missão do Consolador
T Mt 28.18-20 Estarei convosco
Q Mc 3.13-19 A autoridade dos apóstolos
Q At 2.42-47 A doutrina dos apóstolos
S 2Pe 1.20, 21 Da parte de Deus
S 1Co 3.10-17 O fundamento é Jesus

Introdução

Dizer que Cristo teve um ofício profético significa que ele foi um profeta como Isaías e Daniel? Como esse ofício foi exercido? Ele foi interrompido? Qual a importância desse ofício para a igreja? E como você, na prática, pode se beneficiar do ofício profético de Cristo? Isso é o que veremos na lição de hoje.

I. O ministério profético de Jesus

A principal tarefa do profeta era agir como porta-voz de Deus. Ele confrontava seus contemporâneos com as justas reivindicações de Deus sobre eles, conclamando-os a serem fiéis à aliança (Lc 4.18-21; João 14.5-11; 15.15). Jesus fez exatamente isso e muito mais. A maior diferença entre Jesus e os profetas do Antigo Testamento é que Jesus afirmou ser singularmente identificado com Deus. Ele não apenas falava em nome de Deus. Ele era o próprio Deus encarnado falando ao homem. Ele era o grande profeta cuja vinda havia sido anunciada no Antigo Testamento (Dt 18.15ss). A carta aos Hebreus interpreta Jesus como o último profeta que falou “nestes últimos dias”, em harmonia com a revelação de Deus por meio dos profetas de Israel. Contudo, ele é também maior que os profetas de Israel, pois a palavra de Deus por intermédio do Filho é sua palavra final, muito superior à palavra dos profetas (Hb 1.1-3).

Como o Filho de Deus encarnado, ele era infinitamente maior que qualquer dos profetas do Antigo Testamento. Eles eram, todos eles, homens pecadores. O próprio Isaías teve de confessar que era um homem de lábios impuros que precisava da expiação: “Então, disse eu: ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos! (…) a tua iniquidade foi tirada, e perdoado, o teu pecado” (Is 6.5-7).

Os profetas eram homens do povo, tomados e usados por Deus como seus mensageiros, que declaravam sua palavra, reprovavam Israel por sua infidelidade, testificavam sobre o cumprimento eventual das promessas de Deus e assinalavam adequadamente a vinda futura do próprio Deus para vingar seu povo. Mas, em essência, eles eram seus servos, não mais, não menos. Jesus Cristo, por outro lado, embora fosse o Servo de Deus de uma forma que ninguém mais poderia ser, era também o Filho de Deus, igual ao Pai desde a eternidade. Como homem, ele era totalmente sem pecado.

O profeta falava a palavra de Deus apenas quando estava sob a influência do Espírito de Deus com este propósito específico. Ele só falava a palavra de Deus quando a palavra de Deus ia até ele. Jesus, por outro lado, que é nosso Senhor, falou a palavra encarnada e falou com autoridade própria.

De nossa parte, a obediência ao ensino de Jesus é vista como amor por Deus. Além do mais, o próprio Jesus vem àqueles que obedecem a sua instrução e faz morada neles, testificando que é amado por eles e os ama (Jo 14.21-24). Amor por Deus significa obediência a Jesus. A identidade de Jesus determina a autoridade do seu ensino. Sua pessoa é a base para sua obra. Ele reitera isso em sua mensagem de despedida aos apóstolos (Mt 28.18-20). Eles, e, depois deles, a igreja ao longo de toda a história, devem ensinar as nações a obedecerem tudo que o próprio Jesus ordenou. O discipulado inclui, necessariamente, plena submissão ao ensino de Jesus. O mesmo também requer que proclamemos esse ensino por todo o mundo.

Jesus, conquanto não tenha especificadamente reivindicado ser um profeta, afirmou, contudo, sua identidade divina e a autoridade última de seu ensino e colocou-se em uma categoria singular. Todos os elementos do ofício profético estão presentes. Jesus aplicou a Palavra de Deus aos assuntos da vida diária, tinha a consciência social do profeta aguçada em sua preocupação com a justiça e com o oprimido e também aguardou com expectativa o cumprimento das promessas de Deus. Jesus, porém, foi muito além dos profetas, pois ele mesmo é a verdade sobre a qual os profetas testificaram. Ele é maior que um profeta, pois ele é o Filho de Deus encarnado. É assim que o escritor de Hebreus o vê. Ele é o principal profeta, pois Deus, que falou de diferentes maneiras no Antigo Testamento pelos profetas, falou definitivamente a nós por meio de seu Filho. Ao mesmo tempo, ele é também o último profeta, além do qual não pode haver nenhum outro. Na mente do autor de Hebreus, Jesus Cristo, o Filho de Deus, é um profeta, o maior profeta, o último e definitivo profeta, uma vez que ele é superior aos profetas, anjos, a Moisés e todos os outros.

II. O ofício profético de Jesus por meio dos apóstolos

Jesus estabeleceu provisão cuidadosa para a continuação do seu ministério profético após sua partida. Nos evangelhos, nós observamos como ele separou doze homens para esse propósito (Mt 10.1-2; Mc 3.13-19; Lc 6.12-16). Ele lhes deu autoridade para exorcizar demônios, curar e pregar as boas-novas do reino de Deus. A função deles seria a mesma que ele teve. Contudo, a autoridade deles era uma autoridade derivada, recebida por um ato específico de doação pelo próprio Senhor (Mt 10.1; Mc 3.15; 6.7; Lc 9.1; 10.19) Ele podia dizer a eles: “Quem vos recebe a mim me recebe; e quem me recebe, recebe aquele que me enviou” (Mt 10.40; cf. Mc 9.37; Lc 10.16; Jo 13.20).

Os doze foram, então, um grupo de discípulos de Jesus que recebeu a incumbência de dar continuidade, em seu próprio ministério, ao ofício profético de Jesus. Isso fica evidenciado quando os apóstolos resolvem procurar um substituto para Judas. A pessoa escolhida se juntaria aos demais apóstolos como testemunha da ressurreição de Jesus. Nem todos os discípulos estavam qualificados para serem apóstolos, pois muitos começaram a seguir Jesus apenas no curso de sua carreira. Isso limitava um número de possibilidades. Na verdade, apenas dois candidatos surgiram (At 1.23). Os onze, então, submeteram esses dois à soberania de Deus, por meio das orações e do lançar sortes. Quando Deus revelou que havia escolhido Matias, ele foi acrescentado aos onze. Portanto, quando outras referências “aos apóstolos” ocorrem em Atos, devemos considerá-lo, por definição, incluído. Que a igreja primitiva uniformemente sustentou essas características definidoras, precisas para distinguir o apostolado, torna-se evidente a partir de algumas das dificuldades em que Paulo se encontrou. Sua própria autoridade como apóstolo era frequentemente questionada. Sua defesa foi que ele também havia visto o Senhor em seu encontro no caminho para Damasco. Ele foi um “nascido fora de tempo” (1Co 15.8).

Em resumo, existiam três características proeminentes nos apóstolos. Primeiro, eles receberam uma designação do próprio Cristo. Por meio desta designação os apóstolos receberam a autoridade de Cristo e se tornaram seus embaixadores, representando-o na igreja e no mundo. Dessa forma, o ensino deles era o próprio ensino de Cristo, e não menos que isso. No caso de Matias, essa comissão foi mediada por todo o colegiado apostólico, agindo em obediência à própria palavra de Deus. Com Paulo, o Cristo ressurreto lhe apareceu e deu-lhe sua autorização pessoal (Gl 11-17). Em segundo lugar, os apóstolos foram associados com o ministério de Jesus desde o início. Para ser apóstolo, o discípulo tinha de ter acompanhado todo o ministério de Jesus, desde seu batismo até sua ascensão (At 1.21-22). Nesse sentido, Paulo representa a maior exceção. Foi o não cumprimento desta característica apostólica que fez com que muitos cristãos e muitas igrejas questionassem sua autoridade apostólica. O próprio Paulo reconhece a natureza anormal de seu apostolado (1Co 15.8-9; 1Tm 2.7). Em terceiro lugar, eles atuaram como testemunhas da ressurreição de Cristo. Paulo também se ajusta aqui, uma vez que foi por causa de um encontro específico com o Cristo ressurreto que ele foi comissionado como um apóstolo.

Se o ensino de Cristo recebe continuidade no ensino dos apóstolos, o ensino deles fornece o fundamento para a vida da igreja em todas as épocas. Por exemplo, nos lembramos como Jesus no cenáculo disse aos doze que ele tinha muitas coisas que lhes dizer, mas, devido ao corrente estado de compreensão, ele não poderia, naquele momento, declarar-lhes tais coisas (Jo 16.12-15). Quando o Espírito viesse, todavia, ele os guiaria a toda a verdade, pois ele lhes anunciaria o que havia ouvido do próprio Cristo. Isso significa que o ensino dos apóstolos deveria ser o que Jesus teria lhes dito pessoalmente se eles tivessem sido capazes de receber tal ensino naquela ocasião. Portanto, devido ao fato de que nenhum outro fundamento além de Cristo é possível para a Igreja de Cristo (1Co 3.11), os apóstolos participaram desse fundamento, pois o ensino e a autoridade deles (e até sua existência como apóstolos) foram derivados de Cristo e delegados a eles por Cristo.

Devemos lembrar mais um ponto: que o ensino dos apóstolos é diretamente ligado ao de Jesus, sem esquecer também do fato de que só conhecemos Jesus como ele nos é apresentado nos evangelhos. Mesmo que nem todos os evangelhos tenham sido escritos pelos apóstolos (e eles não foram) e mesmo que nenhum deles o fosse, todos eles surgiram em uma igreja apostólica que se dedicou ao ensino dos apóstolos (At 2.42).

Dando continuidade a este ponto, Paulo pode descrever sua própria pregação como a palavra de Cristo. Ao referir-se à combinação dos judeus e gentios na Igreja em Éfeso, ele recorda que Cristo, tendo estabelecido a paz pela sua cruz, “veio e pregou a paz” (Ef 2.17). Todavia, Cristo nunca visitou Éfeso, muito menos pregou lá. Foi Paulo, certamente, quem fundou a igreja em Éfeso e foi o pregador por meio do qual a igreja foi estabelecida. Assim, Paulo está pensando na sua própria pregação como equivalente à pregação de Cristo. Em 1Tessalonicensess 2.13, Paulo afirma claramente que a palavra que ele prega é a palavra de Deus. Pedro, por sua vez, afirma que a palavra do Senhor é a palavra que foi evangelizada, isto é, pregada originalmente pelos apóstolos (1Pe 1.25).

III. O ofício profético de Cristo na Escritura

À luz do que foi dito acima, é correto considerar a própria Escritura como um aspecto do ministério profético de Cristo. Em primeiro lugar, o Cristo ressurreto enviou seu Espírito à sua igreja. O Espírito veio no Pentecostes a fim de equipar a igreja para sua grande tarefa no mundo. Quando deixou seus discípulos, Jesus prometeu estar com eles ao longo dos séculos (Mt 28.20). Como os estava deixando, sua presença não poderia ser física. Ele prometeu sua presença mediada pelo Espírito como “outro Consolador” (Jo 14.16). Ele estaria presente para capacitar a igreja, livrando-a de ficar órfã (Jo 14.18). Tão próxima é a conexão entre o Espírito, que foi enviado, e Cristo, que juntamente com o Pai o envia, que Paulo pode até falar de uma identidade entre eles (2Co 3.17). Cristo envia o Espírito. O Espírito testifica de Cristo. O Espírito habita na igreja de Cristo e transforma seus membros à imagem de Cristo (cf. 2Co 3.18; 4.4-6). Dessa forma, o Cristo ressurreto é o “Senhor, o Espírito”, enquanto o Espírito é “o Espírito de Jesus Cristo” (Fp 1.19).

Em segundo lugar, o Espírito Santo é o autor original da Escritura, que Paulo diz ser “inspirada por Deus” (2Tm 3.16). A referência é ao Antigo Testamento, pois essas eram as Escrituras que Timóteo “conhecia desde a infância” (vs. 14-15) e, portanto, era sobre elas que Paulo escrevia. O padrão geral da origem divina do Novo Testamento não pode divergir fundamentalmente daquela do Antigo Testamento. Isso é particularmente visto quando relembramos que o Antigo Testamento aponta para a vinda de Cristo. O Espírito que inspirou os profetas estava dirigindo-os a descrever as realidades que seriam cumpridas apenas quando Cristo viesse. A unidade do propósito divino enfatiza a unidade da própria Escritura.

Observemos também o argumento de Pe­dro, em 2Pedro 1.20-21. Pedro aponta para o fato de que o verdadeiro discurso humano na Escritura teve sua origem criativa no Espírito Santo. “Homens santos falaram”, diz ele. Todavia, eles falaram “da parte de Deus”. Eles foram “movidos pelo Espírito Santo”. O discurso deles não resultou da própria vontade deles. Em vez disso, o originador decisivo foi o Espírito Santo, que guiou os autores humanos, por assim dizer; mas isso foi feito de tal maneira que a própria humanidade deles não foi anulada, pois os pensamentos que eles expressaram eram verdadeiramente deles.

Em terceiro lugar, a Escritura como a Palavra de Deus é a palavra de Cristo. A Bíblia é a Palavra de Deus nas palavras dos seres humanos. Sua origem encontra-se no Espírito Santo. O Espírito procede do Pai e do Filho. Assim, a produção da Escritura pode ser traçada de volta ao Deus trino. Em termos da economia da salvação e, antes disso, da relação entre as pessoas da Trindade, a Bíblia é uma obra na qual o Filho também participa. Em termos da história da salvação, toda a Escritura testemunha da encarnação do Filho para nós e para nossa salvação. Foi o próprio Filho encarnado que, exaltado à mão direita de Deus, enviou o Espírito à sua igreja, o mesmo Espírito que é o principal autor da Sagrada Escritura.

Em quarto lugar, se vermos o ministério profético de Cristo como incluindo a produção da Escritura, seremos beneficiados em relação a uma compreensão mais integrada do evangelho. Algumas vezes, críticas são dirigidas à doutrina da inspiração da Escritura com fundamento no fato de que a Bíblia é por meio de si mesma elevada a uma posição de tal proeminência que ela equivale a algo como um “papa de papel.” Não seria a Bíblia, então, vista como uma competidora de Cristo? Confiamos em Deus para a salvação, mas nos deparamos então com um objeto adicional à nossa fé. Somos informados de que precisamos também crer na Bíblia. Ora, a Bíblia não compete com Cristo. Ela é parte de seu ofício profético. Ao nos rendermos ao Salvador, cremos, confiamos e obedecemos à sua palavra dada a nós pelo Espírito Santo por meio dos lábios dos profetas e apóstolos. O próprio Cristo é o grande chefe e profeta final, não apenas declarando a nós as obras e caminhos de Deus, mas também encarnando a verdade de Deus, pois ele é a verdade, o Criador e sustentador de tudo o que há. Assim, a palavra do Espírito a nós, como encontrada no Antigo e Novo Testamento, é a palavra do próprio Cristo a nós.

Conclusão

Cristo foi um profeta muito superior aos profetas do Antigo Testamento porque é o Filho de Deus, o conteúdo de sua própria profecia. Esse ofício foi exercido em seu ministério terreno e teve continuidade por meio dos apóstolos e da Escritura, pela qual Cristo continua, até hoje, falando à igreja.

Aplicação

Como o fato de saber que a Escritura faz parte do ofício profético de Cristo afeta sua vida? Como isso influência sua leitura da Bíblia?


> Autor do Estudo: Vagner Barbosa

>> Estudo publicado originalmente na revista Palavra Viva – Da criação à volta de Cristo, da Editora Cultura Cristã. Usado com permissão.

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2 Comentários para “Jesus Cristo e a Bíblia”

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