Uma teologia pragmática de culto

Uma teologia pragmática de culto – o caso de Acaz

Texto básico: 2 Reis 16.1-20

Leitura diária
D 2Cr 28.16-21 Uma escolha equivocada
S 2Cr 28.22-25 Angústia, idolatria e fracasso
T 2Rs 17.24-41 Um culto sincrético
Q 2Rs 18.1-12 Um rei nada pragmático
Q 2Rs 18.19-37 Um silêncio temporário
S 2Rs 19.1-19 Triste, porém confiante
S 2Rs 19.20-37 A resposta de Deus

Introdução

A importância de sermos práticos em nossa maneira de pensar, decidir e fazer as coisas, o que está longe de ser irrelevante, não nos deve conduzir ao equívoco do pragmatismo, assunto que trataremos nesta lição, partindo de um estudo de caso especialmente focalizado na vida do rei Acaz.

I. A teoria do pragmatismo

O pragmatismo, como sistema de pensamento, parte da concepção de que o homem não é essencialmente um ser teórico, com preocupações metafísicas. A sua inteligência está voltada para a concretização dos seus propósitos, que são eminentemente práticos; por isso, todo o conhecimento tem um objetivo prático. No pragmatismo, temos o rompimento com o pensamento metafísico; o que importa é a funcionalidade. O correto é aquilo que funciona ou satisfaz. Assim, o valor intrínseco foi substituído pela eficácia; ou seja, se funciona, tem valor; as ideias verdadeiras são as que funcionam, são valiosas. Deste modo, não existem absolutos; tudo é relativo: a funcionalidade é identificada como verdade e a não funcionalidade é rejeitada como sendo falsa.

MacArthur, faz uma advertência: “Quando o pragmatismo (…) é utilizado para formularmos juízos acerca do certo e do errado ou quando se torna a filosofia norteadora da vida, da teologia e do ministério, acaba, inevitavelmente, colidindo com as Escrituras”.

Os conceitos que dentro de nossa percepção não se mostram relevantes, são descartados. Por outro lado, se você e eu propusermos soluções contraditórias para os nossos problemas e ambas as aplicações funcionarem, elas poderão ser consideradas igualmente verdadeiras.

II. Acaz e seu pragmatismo

O rei Acaz viveu em meados do oitavo século antes de Cristo, tendo reinado 16 anos (2Cr 28.1; 2Rs 16.2), a partir do ano 745 a.C., criando uma relação de comprometimento com a Assíria e uma religião totalmente corrompida. Mesmo ouvindo o profeta Isaías, este não o demoveu de sua falta de fé em Deus e da prática idólatra. Acaz se constitui em um exemplo ilustrativo do pragmatismo.

A. Não fez o que era reto perante o Senhor

Ele começou a reinar com 20 anos em Judá (2Rs 16.2). Seu pai, Jotão, foi um rei fiel a Deus, seguindo as pegadas de seu pai Uzias. No entanto, Acaz tinha uma perspectiva diferente da realidade, querendo fazer algo, digamos, do seu jeito. Muitas vezes as inovações têm um grande apelo popular sem que reflitamos sobre o seu significado e conse-quências. Quando os resultados são favoráveis, é muito difícil parar para analisar o processo, seus fundamentos e motivações.

Acaz, com a sua visão eminentemente pragmática, rompe com a linha de Davi – seu ancestral mais famoso –, com o testemunho de seu avô, Uzias, e o exemplo de seu pai, Jotão. Então, diz o escritor: “Não fez o que era reto perante o Senhor seu Deus, como Davi, seu pai” (2Rs 16.2). A sequência dessa infidelida¬de a Deus é enumerada: fez imagens fundidas a Baalins (2Cr 28.2); queimou incenso no vale do filho de Hinom (2Cr 28.3); queimou alguns de seus filhos como sacrifício a deus pagão (2Rs 16.3; 2Cr 28.3); sacrificou e queimou incenso nos altos, nos outeiros e debaixo das árvores frondosas (2Cr 28.4); fechou a Casa do Senhor (2Cr 28.24).

Para Acaz, servir a Deus não era suficiente, ele precisava ter várias formas de adoração e a vários deuses; o seu objetivo era ser bem sucedido; a verdade pouco ou nada lhe importava. Para isso ele estava disposto a seguir qualquer orientação, qualquer atalho que parecesse conduzi-lo ao sucesso. Quando diz que ele sacrificou seus filhos, o escritor acrescenta: “… segundo as abominações dos gentios que o Senhor lançara fora de diante dos filhos de Israel” (2Cr 28.3).

Acaz, bem impressionado com o poderio da Assíria, perdeu o resto de bom senso: copiou um altar conforme o modelo de Damasco, para construir em Jerusalém, tendo o próprio rei oferecido sacrifícios ao deus pagão: “Então, o rei Acaz foi a Damasco, a encontrar-se com Tiglate-Pileser, rei da Assíria; e, vendo ali um altar, enviou dele ao sacerdote Urias a planta e o modelo, segundo toda a sua obra. Urias, o sacerdote, edificou um altar segundo tudo o que o rei Acaz tinha ordenado de Damasco; assim o fez o sacerdote Urias, antes que o rei Acaz viesse de Damasco” (2Rs 16.10-11). “No tempo da sua angústia, cometeu ainda maiores transgressões contra o Senhor; ele mesmo, o rei Acaz. Pois ofereceu sacrifícios aos deuses de Damasco, que o feriram, e disse: Visto que os deuses dos reis da Síria os ajudam, eu lhes oferecerei sacrifícios para que me ajudem a mim. Porém eles foram a sua ruína e a de todo o Israel” (2Cr 28.22-23). Construiu também diversos altares em Jerusalém: “Ajuntou Acaz os utensílios da Casa de Deus, fê-los em pedaços e fechou as portas da Casa do Senhor; e fez para si altares em todos os cantos de Jerusalém” (2Cr 28.24).

As Escrituras relatam outro caso ilustrativo de pragmatismo, no capítulo 17 do segundo livro de Reis: o texto, a partir do verso 24, nos mostra que o rei da Assíria, trouxe pessoas de várias cidades pagãs e as fez habitar em Samaria em lugar dos habitantes de Israel que ele havia deportado. Esses homens não conheciam nem temiam a Deus. Deus enviou leões que mataram alguns de entre os povos. Ao que parece, alguns conselheiros do rei da Assíria, lhe disseram: “As gentes que transportaste e fizeste habitar nas cidades de Samaria, não sabem a maneira de servir o Deus da terra; por isso enviou ele leões para o meio delas, os quais as matam, porque não sabem como servir o Deus da terra” (2Rs 17.26).

O rei da Assíria, bastante prático, enviou para lá um sacerdote judeu que ensinou o povo a adorar a Deus. No entanto, na prática, nada mudou; diz o texto: “Porém cada nação fez ainda os seus próprios deuses nas cidades em que habitava, e os puseram nos santuários dos altos que os samaritanos tinham feito. Os de Babilônia fizeram Sucote-Benote; os de Cuta fizeram Nergal; os de Hamate fizeram Asima; os aveus fizeram Nibaz e Tartaque; e os sefarvitas queimavam seus filhos a Adrameleque e a Anameleque, deuses de Sefarvaim. Mas temiam também ao Senhor; dentre os do povo constituíram sacerdotes dos lugares altos, os quais oficiavam a favor deles nos santuários dos altos. De maneira que temiam o Senhor e, ao mesmo tempo, serviam aos seus próprios deuses, segundo o costume das nações dentre as quais tinham sido transportados. Até ao dia de hoje fazem segundo os antigos costumes; não temem o Senhor, não fazem segundo os seus estatutos e juízos, nem segundo a lei e o mandamento que o Senhor prescreveu aos filhos de Jacó, a quem deu o nome de Israel” (2Rs 17.29-34).

Meus irmãos, isso pode nos soar estranho, mas, parece que muitas vezes estamos caindo em armadilhas semelhantes quando nos dis¬pomos a fazer e a seguir qualquer conselho, qualquer orientação, qualquer líder ou suposto irmão que nos diga o caminho para resolver os nossos problemas. Quando assim agimos, estamos sendo pragmáticos, seguindo apenas aquilo que à primeira vista parece mais fácil e eficaz; deste modo, desprezamos a Palavra de Deus e as suas orientações para a nossa vida.

A Palavra de Deus deve ser sempre o princí¬pio aferidor e orientador de qualquer conselho ou princípio. Por mais prática que possa nos parecer uma orientação ou diretriz estranha à Palavra, não nos iludamos, não as sigamos. Nada é mais prático do que obedecer a Deus seguindo os seus ensinamentos.

B. Estabeleceu a aparente vitória como critério de verdade

Devido à idolatria de Acaz (2Cr 28.2-4), Deus o entregou na mão de seus inimigos, que guerrearam contra ele: sírios (2Cr 28.5; Is 7.1-2); reino Norte de Israel (2Cr 28.6-15; Is 7.1-2); edomitas (2Cr 28.17); filisteus (2Cr 28.18).

Acaz, que recusara a palavra profética de Isaías, busca desesperadamente ajuda em Tiglate-Pileser III, rei da Assíria. Este, num primeiro momento, foi-lhe útil; no entanto, custou-lhe um grande preço; tendo que pagar a proteção com despojos, inclusive da Casa do Senhor (2Cr 28.20-21; 2Rs 16.8). Assim, Acaz sobreviveu como vassalo da Assíria, pagando-lhe pesado tributo e sem resolver satisfatoriamente o seu problema; pelo contrário trazendo outros sobre si.

Um abismo chama outro abismo; o pecado justificado pelo homem traz outros pecados para encobrir aquele. Com Acaz não foi diferente. Ele se curvou à idolatria de Damasco adotando-a para si e para o povo (2Rs 16.10-11; 2Cr 28.22-24). A sua lógica foi a seguinte: se a Assíria é o reino mais poderoso, então o seu deus deve ser o maior; o melhor é eu aprender a adorar a esse deus, para que eu seja também bem sucedido: “Visto que os deuses dos reis da Síria os ajudam, eu lhes oferecerei sacrifícios para que me ajudem a mim. Porém eles foram a sua ruína e a de todo o Israel” (cf. 2Cr 28.22-23).

Meus irmãos, temos visto em nossos tempos, a prevalência de uma religião de resultados; não importa o que se ensina, o sentido bíblico apresentado, queremos ver resultados imediatos. Não se pergunta aqui sobre a verdade, antes, os resultados imediatos são tão autoevidentes que dispensam argumentos.

Acaz, também queria o sucesso. Não importa se o deus é pagão, se tudo aquilo é invenção humana, o que importa é que funciona; é prático.Infelizmente, em nosso culto, com demasiada frequência, temos nos tornado pragmáticos: queremos encher as igrejas, que os visitantes gostem de nosso culto, que jovens se expressem como querem, que os anciãos sintam-se confortáveis em sua tradição, etc. Queremos todos felizes e, ao mesmo tempo, cultivar uma fama de “igreja contemporânea”, com uma “liturgia mais aberta”, etc. Quando assim procedemos, revelamos estar nos esquecendo da Palavra de Deus para nos pegarmos àquilo que julgamos funcional; daí criarmos uma religião antropocêntrica; queremos as pessoas satisfeitas, leves, nem que para isso transformemos o culto em um show. Se a igreja enche, é isso que importa… A verdade? Ora, quem se preocupa com isso?, podemos dizer baixinho para nós mesmos, olhando em seguida para os relatórios estatísticos.

No entanto, o texto é bem claro: “[…] Porém eles foram a sua ruína e a de todo o Israel” (2Cr 28.23). Percebam também a responsabilidade do líder. Temos aqui um homem fraco, um pai não qualificado (sacrificou seu filho – 2Rs 16.3) e um péssimo governante. Por sua vez, o sacerdote que deveria ser a consciência do rei e de sua nação, simplesmente, sem questionar em nada, cumpre urgentemente as ordens idólatras do rei nos mínimos detalhes (2Rs 16.11). Urias também foi pragmático: o rei mandou, quem sou eu para enfrentá-lo? Afinal, o soberano é louco: não foi ele mesmo quem queimou seus próprios filhos? Imaginem o que ele faria comigo se eu o desobedecesse? Pode ter racionalizado, mantendo o seu coração tranquilo enquanto se alimentava ilicitamente de um sacerdócio que perdera o seu sentido.

O povo simplesmente seguiu o rei e o sacerdote, daí a ruína do povo (2Cr 28.23). Os equívocos dos governantes têm um alcance não simples¬mente pessoal, antes, trazem consequências amplas, e, muitas vezes, duradouras.

III. Ezequias, um filho diferente

Temos um outro exemplo de pragmatismo no rei da Assíria, que tentou usar deste recurso para amedrontar Ezequias, filho de Acaz; no entanto Ezequias conhecia o seu Deus. Ele se angustiou, contudo, ao contrário de seu pai, ele recorreu a Deus, não se impressionou com o exército inimigo; ele sabia quem era o único Deus verdadeiro (2Rs 19.19). A resposta de Deus veio por intermédio de Isaías, enfatizando a soberania de Deus, garantindo a sua preservação a destruição dos assírios (2Rs 19.32-34).

O fim do exército dos assírios e do próprio Senaqueribe foi dramático, evidenciando, entre outras coisas, o fracasso de sua vida familiar: “Então, naquela mesma noite, saiu o Anjo do Senhor e feriu, no arraial dos assírios, cento e oitenta e cinco mil; e, quando se levantaram os restantes pela manhã, eis que todos estes eram cadáveres. Retirou-se, pois, Senaqueribe, rei da Assíria, e se foi; voltou e ficou em Nínive. Sucedeu que, estando ele a adorar na casa de Nisroque, seu deus, Adrameleque e Sarezer, seus filhos, o feriram à espada; e fugiram para a terra de Ararate; e Esar-Hadom, seu filho, reinou em seu lugar” (2Rs 19.35-37).

Conclusão

Não tenhamos a pretensão de sermos diferentes ou iguais, antes fiéis a Deus. Deus não é indiferente à nossa fidelidade resultante de sua graça. Ele haverá de honrar a sua Palavra em nós e em nossa igreja.

A simples funcionalidade de alguma coisa não indica necessariamente que ela seja a melhor. Deus não tem atalhos; ele sempre nos guia pelos seus caminhos. Olhando o exército de Senaqueribe e a sua arrogância, quem poderia imaginar o seu fracasso familiar? Não nos iludamos com meras aparências. O nosso desafio em todas as áreas, inclusive em nosso culto, é glorificar a Deus. Não permitamos que critérios estranhos à Palavra de Deus nos orientem em nossas práticas e decisões, tampouco em nossa adoração.

A voz da maioria e o aparente sucesso dos ímpios não nos devem impedir de perseverar em seguir a Jesus e o seu caminho. A nossa fé em Jesus Cristo não é uma muleta para momentos difíceis, antes é a razão de nossa existência, envolvendo o morrer e o ressuscitar com ele.

Aplicação

Como você se posicionava quanto ao pragmatismo na adoração antes de estudar esta lição? Algo mudou em sua visão? O quê? Quais mudanças acontecerão na prática em sua adoração?

> Autor do Estudo: Hermisten M. P. da Costa
>> Estudo publicado originalmente na série Palavra Viva, revista “Adoração e Louvor”, da Editora Cultura Cristã. Usado com permissão.

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5 Comentários para “Uma teologia pragmática de culto”

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