Contaminação, nem pensar: o Cativeiro da Babilônia

Contaminação, Nem Pensar: O Cativeiro da Babilônia

Texto Básico: Jeremias 6.1-21; Daniel 1.1-21

Para ler e meditar durante a semana
S – Jr 5.1-31 – Jerusalém e Judá em pecado; T – Jr 52.1-34 – O cativeiro; Q – 2Rs 25.8-22 – A queda; Q – 2Cr 36.1-23 – Os utensílios da Casa de Deus levados; S – Jr 29.1-32 – Aos cativos da Babilônia; S – Jr 30.1-24 – A promessa de livramento do cativeiro; D – Sl 137.1-9 Lembrando-se de Sião.

INTRODUÇÃO

Provérbios 16.4 afirma que “o SENHOR fez todas as coisas para determinados fins, e até o perverso para o dia da calamidade”. Não há dúvida de que a Babilônia serviu aos propósitos soberanos do Senhor para disciplinar o seu povo desobediente.
Apesar de todas as bênçãos divinas, Judá ignorou a ação de Deus, desprezou a promessa santa, buscou outros deuses e se entregou ao engano que a época oferecia. Assim, o Senhor, exercendo sua justiça, bem como sua misericórdia – atributos igualmente perfeitos em Deus – providenciou que o seu povo fosse trazido de volta à verdadeira fé e adoração. Para isso, Judá deveria ser disciplinada com rigor.
A Igreja é hoje o Israel de Deus, povo do Senhor. Porém, há momentos em que o desprezamos. A Igreja parece muitas vezes enfrentar o cativeiro da Babilônia enquanto é mantida em uma sociedade pagã. O que podemos, então, aprender com o exílio de Judá? Como viver nessa situação sem perder a perspectiva da aliança?

I. AS RAZÕES DO CATIVEIRO

A razão final por que o povo de Judá foi levado cativo para a Babilônia é descrita, com muita clareza, em 2Reis 23.36–37; 24. Depois de séculos de rebeldia e de rejeição da aliança, os três últimos reis de Judá, Jeoaquim, Joaquim e Zedequias, colocaram a cereja final da maldade no indigesto bolo da apostasia do povo de Deus. A somatória dos anos de reinado desses três monarcas foi a gota d’água para o reino de Judá: “Coisa espantosa e horrenda se anda fazendo na terra: os profetas profetizam falsamente, e os sacerdotes dominam de mãos dadas com eles; e é o que deseja o meu povo. Porém que fareis quando estas coisas chegarem ao seu fim?” (Jr 5.30-31).

Jeremias denuncia o seu povo afirmando que “… a palavra do SENHOR é para eles coisa vergonhosa; não gostam dela” (Jr 6.10). Por essa razão, o caminho de destruição e miséria espiritual estava aberto. Judá descia cada vez mais a ladeira da perversão e, esquecendo-se do Senhor, buscava outros deuses e se afastava do verdadeiro Deus. As descrições dos últimos reis de Judá nos dão ideia de como eles ampliaram o caminho para a idolatria e a perversão. E, de acordo com Paulo, quando os homens negam o verdadeiro Deus, a derrocada deles é algo esperado e progressivo (Rm 1.18-32). À medida que se tornam mais rebeldes contra o conhecimento de Deus, mais ineptos se tornam, incapazes de compreender a vida e as realidades divinas (1Co 2.14). Ezequiel 9.9 afirma: “A iniquidade da casa de Israel e de Judá é excessivamente grande, a terra se encheu de sangue, e a cidade, de injustiça; e eles ainda dizem: O SENHOR abandonou a terra, o SENHOR não nos vê”. Assim era a tentativa inútil do povo de se esconder do Senhor. Esta esquiva era uma prova de que ignoravam as Escrituras e tudo aquilo que os seus pais lhes havia legado.

Deus anunciou então a destruição de Jerusalém. Jeremias narra com dramaticidade o momento final e as últimas horas de Judá: “Os caldeus queimaram a casa do rei e as casas do povo e derribaram os muros de Jerusalém. O mais do povo que havia ficado na cidade, os desertores que se entregaram a ele e o sobrevivente do povo, Nebuzaradã, o chefe da guarda, levou-os cativos para a Babilônia” (Jr 39.8-9). A destruição atingiu os objetos sagrados: “Os caldeus cortaram em pedaços as colunas de bronze que estavam na Casa do SENHOR, como também os suportes e o mar de bronze que estavam na Casa do SENHOR; e levaram todo o bronze para a Babilônia” (Jr 52.17).

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O mestre da Bíblia Gerard Van Groningen apresenta quatro razões para o exílio que merecem ser enumeradas aqui:

1. O povo estava sendo punido por sua desobediência.
2. Para cumprir a lei mosaica em relação ao direito de propriedade sobre a terra, conforme referido na Lei do Jubileu (Lv 25.23,55; Dt 31.10). Todas as vezes que o pacto de propriedade fosse quebrado, o povo seria punido.
3. Um propósito didático: o povo deveria compreender que Deus era verdadeiramente Yahweh, Senhor da aliança e sustentador de tudo. O caráter exclusivista de Deus deveria ser apreendido pelo povo na prática interna e em suas relações com os demais povos. Todos deveriam reconhecer que o Senhor é o único Deus (Ez 30.8,19,25-26; 32.15; 35.9,15; 38.23; 39.6).
4. O exílio serviu também para demonstrar que Yahweh provê para o seu povo, cuida dele e o pastoreia. Várias foram as mensagens dos profetas apontando este cuidado. Além disso, a questão não era apenas naquele momento, mas anuncia a chegada da Nova Aliança e a preservação de Deus por meio de Cristo Jesus.

Mas, sem dúvida, o aspecto mais importante era que Deus desejava que seu povo se arrependesse de seus pecados e se voltasse para ele, em adoração e submissão sincera: “Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o SENHOR pede de ti, senão que pratiques a justiça e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus?” (Mq 6.8). É o que veremos a seguir.

II. O CHAMADO AO ARREPENDIMENTO

Dentre todos os profetas, o mais enérgico e trágico para anunciar o chamado ao arrependimento do povo de Judá foi Jeremias. Seu livro é riquíssimo em detalhes dessa época e nos apresenta um quadro vívido e altamente descritivo da perversão de Judá e de sua consequente derrota para os babilônios.
Um dos trechos mais marcantes é o capítulo 5. Nele, Jeremias descreve a ordem de Deus para que ele procurasse nas ruas de Jerusalém alguém que fosse justo e que buscasse a verdade (v. 1). O pressuposto para a pesquisa já estava estabelecido: “Embora digam: Tão certo como vive o SENHOR, certamente, juram falso” (v. 2).

>> O profeta identificava a degradação moral e espiritual do povo de várias maneiras:

1. Adultério e prostituição: “… adulteraram, e em casa de meretrizes se ajuntaram em bandos; como garanhões bem fartos, correm de um lado para outro, cada um rinchando à mulher do seu companheiro” (v. 7-8);
2. Ateísmo prático: “Negaram ao SENHOR e disseram: Não é ele” (v. 12);
3. Abandono da Palavra: “Até os profetas não passam de vento, porque a palavra não está com eles…” (v. 13);
4. Violência: “A sua aljava é como uma sepultura aberta; todos os seus homens são valentes” (v. 16);
5. Idolatria: “Como vós me deixastes e servistes a deuses estranhos na vossa terra…” (v. 19);
6. Falta de discernimento espiritual: “… ó povo insensato e sem entendimento, que tendes olhos e não vedes, tendes ouvido e não ouvis” (v. 21); dentre outros.Mesmo diante dessa total rebeldia e perversidade (v. 26), arrogância e impiedade (v. 28), o profeta Jeremias anunciava a necessidade de arrependimento e o caminho da restauração: “Não dizem a eles mesmos: Temamos agora ao SENHOR, nosso Deus, que nos dá a seu tempo a chuva, a primeira e a última, que nos conserva as semanas determinadas da sega. As vossas iniquidades desviam estas coisas, e os vossos pecados afastam de vós o bem” (v. 24-25). O chamado ao arrependimento era constante. Não somente para o povo de Judá, mas também para as demais nações (Jr 12.14-17). Todos deveriam reconhecer que o verdadeiro Deus é Yahweh e não há outro.O Senhor havia providenciado várias ocasiões para arrependimento: “Durante vinte e três anos, desde o décimo terceiro de Josias, filho de Amom, rei de Judá, até hoje, tem vindo a mim a palavra do SENHOR, e, começando de madrugada, eu vo-la tenho anunciado; mas vós não escutastes. Também, começando de madrugada, vos enviou o SENHOR todos os seus servos, os profetas, mas vós não os escutastes, nem inclinastes os vossos ouvidos para ouvir, quando diziam: Convertei-vos agora cada um do seu mau caminho, e da maldade das suas ações, e habitai na terra que o SENHOR vos deu e a vossos pais, desde os tempos antigos e para sempre.” (Jr 25.3-5). Juntamente com o chamado para o arrependimento, havia também a promessa de restauração: “Eis que vêm dias, diz o SENHOR, em que levantarei a Davi um Renovo justo; e, rei que é, reinará, e agirá sabiamente, e executará o juízo e a justiça na terra” (Jr 23.5).Não foi por falta de aviso ou de incentivo. A razão da obstinação era mesmo o endurecimento causado pelo pecado. Não davam ouvidos aos profetas. Preferiam andar segundo suas próprias interpretações da vida. Afastaram-se do Senhor e ele, por sua vez, os deixou desolados. Então, vêm aí os caldeus.

III. QUEM ERAM OS CALDEUS?

Jeremias diz que “A Babilônia era um copo de ouro nas mãos do SENHOR, o qual embriagava a toda a terra; do seu vinho beberam as nações; por isso, enlouqueceram” (Jr 51.7). A Babilônia foi um povo ímpio, instrumento nas mãos do Senhor, para castigar o povo rebelde do Senhor.
Os caldeus habitavam a região ocidental da Ásia, às vezes também chamada Sinar (Gn 10.10; 12.2; Is 11.11). A região era limitada ao norte pela Mesopotâmia, numa linha divisória até os limites dos rios Tigre e Eufrates. O limite separava uma planície levemente elevada até a parte baixa das aluviões do rio Eufrates. Pelo leste, a região é limitada pelas montanhas de Elão, a leste do rio Tigre. Ao sul, estende-se até ao Golfo Pérsico, a oeste da Arábia Desértica. As principais cidades dessa região eram Ur (Gn 11.28), Larsa, Ereque, Badel, Cuta e Nipur (vd. 2Rs 17.24). Às vezes, essas cidades foram independentes e, em outras ocasiões, governadas por um só monarca.
A região conhecida como Babilônia fora subjugada pelos assírios, sob o governo de Tuculti-adra, em 1.270 a.C. e permaneceu cativa por mais ou menos 700 anos. A independência veio com Nabonassar (747 a.C.). O assírio Tiglate-Pileser subjugou novamente o país (741 a.C.), seguido por Sargão (709 a.C.), Senaqueribe (703 a.C.) e Assurbanipal (648 a.C.). Em 625 a.C. a independência babilônica foi consolidada sob a liderança de Nabopolassar. Coligado aos medos e com a ajuda dos caldeus, Nabopolassar apoderou-se da capital e reinou de 625 a 605 a.C.
Nínive dos assírios caiu em 606 a.C. e foram, portanto, anexadas ao Império Babilônico a Susiana, o vale do Eufrates, a Síria e a Palestina. Com todo esse avanço, a Babilônia se tornou o centro de todas as atenções: comércio, arquitetura, instrução, e também idolatria e rebeldia contra Deus. Os caldeus se tornaram instrumentos nas mãos do Senhor para castigar o povo de Judá por sua desobediência.

IV. O POVO DE DEUS EM TERRA ESTRANHA

O exílio foi um período de trevas. O capítulo 25 de Jeremias retrata o cenário desse tempo e descreve o que Deus faria com Judá: ele usaria Nabucodonosor, rei da Babilônia, a quem chama de “meu servo” (Jr 25.9), para disciplinar seu povo. Na descrição dos versículos 9-14, o profeta anuncia o julgamento de Deus e o modo como Deus procederia:1. Destruição total – “… os destruirei totalmente… e de ruínas perpétuas”.
2. Vergonha pública – “… os porei por objeto de espanto e de assobio”.
3. Depressão espiritual – “Farei cessar entre eles a voz de folguedo e a de alegria, a voz do noivo e a da noiva, e o som das mós, e a luz do candeeiro”.
4. Perda da terra e destruição das propriedades – “Toda esta terra virá a ser um deserto e um espanto…”.
5. Escravização do povo – “… estas nações servirão ao rei da Babilônia setenta anos”.O contexto na Babilônia foi de pressão cultural e religiosa, houve grande tristeza e depressão. O povo da terra pedia que os judeus cantassem os cânticos de Sião, mas eles se recusavam. “Às margens dos rios da Babilônia nós nos assentávamos e chorávamos, lembrando-nos de Sião. Nos salgueiros que lá havia pendurávamos as nossas harpas, pois aqueles que nos levaram cativos nos pediam canções” (Sl 137.1-3). Enquanto viviam em Sião haviam cantado as cantigas pagãs, isto é, haviam adotado o pensamento pagão. Agora tinham o constrangimento de ouvir esses pedidos sarcásticos feitos pelos que haviam destruído Sião.O livro do profeta Daniel é uma prova das aflições do povo de Deus em terra estranha. Daniel foi testado em relação à sua fé. Logo no capítulo 1, lemos que ele foi trazido por Aspenaz para servir ao rei. Ele foi classificado como um dos “jovens sem nenhum defeito, de boa aparência, instruídos em toda a sabedoria, doutos em ciência, e versados no conhecimento, e … competentes para assistirem no palácio do rei” a quem deveria ser ensinada “a cultura e a língua dos caldeus”. A pressão era grande: Daniel deveria seguir os costumes pagãos da Babilônia, mas ele resistiu com coragem (Dn 1.8). Sua experiência, como a de seus amigos é altamente inspiradora e instrutiva, por que se aproxima do que enfrentam hoje os cristãos em seu contato diário com a sociedade neo-pagã. Os desafios à fé Daniel e seus amigos encararam com firmeza, com criatividade e inteligência, porque haviam decidido “não contaminar-se” (Dn 1.8).

CONCLUSÃO

O castigo foi necessário para mostrar a Judá que Yahweh, o Senhor, é o fiel e verdadeiro Deus da aliança; para trazer seu povo de volta à verdadeira adoração e mostrar às nações quem era o Deus de Judá.
Convivendo com pagãos na Babilônia, o povo eleito teve de aprender a separar a verdade de Deus dos ensinamentos e exigências pagãs, sem fugir (o que não podiam fazer), mas sem se contaminar. Os pagãos pensavam que sabiam como todos deviam proceder, nas refeições e em todas as áreas, e pressionavam os crentes daquele tempo.
Depois da trajetória de rebeldia de Judá e agora no cativeiro, ao povo de Deus só restava praticar o que aprendera: a fidelidade ao Senhor da aliança não podia ser negociada de modo algum. Babilônia, nunca mais.>> “Em muitos aspectos, a experiência de Daniel é notavelmente parecida com a dos cristãos de hoje. Os estudantes cristãos numa universidade secular, ou os cristãos que confrontam a cultura contemporânea e o mundo intelectual atual se sentirão frequentemente como exilados numa terra estranha e hostil, assim como Daniel se sentiu. No entanto, o primeiro capítulo de Daniel sugere que é possível que alguém que crê no Deus verdadeiro se beneficie da instrução vigente. Ele mostra as provações, tentações e pressões com as quais ele pode deparar, mas também sugere como lidar com elas. Daniel conseguiu aprender a ciência babilônica sem fazer a mínima concessão quanto a qualquer ponto doutrinal ou moral. Na verdade, Daniel, Sadraque, Mesaque e Abede-Nego conseguiram prosperar na Universidade de Babilônia, mas a fé que eles tinham permitiu-lhes verdadeiramente superar os seus contrapartes pagãos em seus próprios termos. Ao se tentar encontrar uma perspectiva bíblica sobre os valores e perigos do mundo intelectual atual, será útil examinar o exemplo de Daniel em detalhes.”
Gene Edward Veith Jr. De todo o teu entendimento (São Paulo: Cultura Cristã, 2006), p.25.

APLICAÇÃO

Hoje a realidade não é outra. Os problemas para o crente que vive na cultura pagã (como é o caso de todos nós) se agravam quando “campos seculares deixam de ser seculares, presumindo propor, em vez disso, noções que são essencialmente religiosas, mas que na verdade são frequentemente pagãs (como, por exemplo, a suficiência da natureza)”. [Gene Edward Veith Jr. De todo o teu entendimento (São Paulo: Cultura Cristã, 2006), p.9.]

O conhecimento científico em si não apresenta problemas para o jovem na corte da Babilônia, ou não deveria apresentar, mas é impossível encontrar esse conhecimento separado de pressupostos dos que os comunicam. Então é hora de lembrar-se do cativeiro e de tomar a mesma decisão de Daniel: contaminação, nem pensar.

>> Estudo publicado originalmente pela Editora Cultura Cristã, na série Expressão, 2012. Usado com permissão.

 

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