“Pela graça sois salvos, por meio da fé; e isso não vem de vós, é dom de Deus” (Ef 2.8)
 

Graça é a palavra mais importante do vocabulário teológico. Cristianismo desprovido de graça não existe. Só no Novo Testamento, a palavra graça aparece 155 vezes. Quem mais desenvolve a teologia da graça é o apóstolo Paulo, que em suas Epístolas menciona o vocábulo pouco mais de cem vezes, especialmente quando se dirige aos coríntios.

Antes de ser teólogo e pregador da graça por excelência, Paulo é um dos mais notáveis pecadores alcançados por ela. Em sua conduta anterior, quando ainda se chamava Saulo, esse judeu era um feroz perseguidor dos cristãos, homens e mulheres, tanto em Jerusalém como no exterior. Ele localizava, perseguia, castigava, algemava, torturava e levava os cristãos para serem encarcerados em Jerusalém. E ainda dava seu aval quando eles eram mortos, como no caso de Estêvão, o primeiro mártir da igreja primitiva (At 9.21; 22.3-5; 26.9-11). Sem a graça, Paulo estava distanciado de Deus e condenado para sempre. Apesar de ser blasfemo, perseguidor e arrogante, “nosso Senhor derramou a “sua imensa graça” sobre mim e me deu a fé e o amor que temos por estarmos unidos com Cristo” (1Tm 1.14, NTLH). A mais conhecida declaração sobre a riqueza da surpreendente e maravilhosa graça é da lavra de Paulo: “Pela graça sois salvos, por meio da fé; e isso não vem de vós, é dom de Deus” (Ef 2.8).

A graça não é algo complicado. Não demanda especulações filosóficas nem teológicas — é o favor imerecido da parte de Deus em benefício do pecador culpado e nada mais. Não é nem a negação do pecado nem a negação da culpa, mas a remoção de um e de outro, graças ao extremo amor de Deus. O favor realizado não é em função de algum merecimento ou obra positiva por parte do receptor. Ele é sempre imerecido aos olhos de Deus, o credor, e aos olhos do pecador, o devedor. O que produz a salvação definitivamente não é qualquer realização moral ou ato religioso da parte dos devedores. É a graça de Deus, e nada mais, que “se manifestou salvadora a todos os homens” (Tt 2.11).

Onde o pecado aumenta por causa da clareza e da força da lei, por causa do volume, da gravidade e da frequência das transgressões, “a graça de Deus aumenta muito mais” (Rm 5.20, NTLH). A abundância do pecado provoca a superabundância da graça. É o caso daquelas três mulheres sem nome (a samaritana, a pecadora e a adúltera) envolvidas em escândalos ligados ao comportamento sexual (Jo 4.1-30; Lc 7.36-50; Jo 8.1-11). É o caso daquele criminoso condenado à pena máxima por seus crimes e que, momentos antes de morrer, arrepende-se de seus pecados e obtém a promessa da vida eterna (Lc 23.39-43). É o caso do mavioso salmista de Israel que se descuidou e veio a se enchafurdar na lama do pecado, de onde foi graciosamente içado (Sl 40.2).

O salvo nada mais é do que “um inimigo que Deus escolhe, um condenado que ele agracia”, nas palavras do jesuíta Jacques Guillet.

Texto originalmente publicado na edição 318 de Ultimato.

 

QUANDO A GRAÇA [NÃO] BASTA | REVISTA ULTIMATO

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