Não há muita diferença entre Paulo e Agostinho: o primeiro diz “o salário do pecado é a morte” (Rm 6.23), e o outro diz “o castigo do pecado é o pecado”. Morte e pecado sempre foram irmãos gêmeos.

A dura sentença é de um africano convertido na Europa aos 33 anos, chamado Aurélio Agostinho, mais conhecido como Santo Agostinho (354–430).

De que maneira o pecado é o castigo do pecado? O castigo do pecado é o vício do pecado. Pecou-se tantas vezes, apesar de todas as advertências e dos lampejos de graça, que, agora não há como deixar o pecado. Caiu-se na gaiola e a chave se perdeu. Antes de Agostinho, disseram solenemente ao apóstolo João: “E quando chegar aquele tempo, todos os que praticam o mal praticarão cada vez mais; aquele que é imundo se tornará cada vez mais depravado […]” (Ap 22.11).

Se a passagem de Apocalipse dá a entender que esse castigo do pecado é futuro, outros textos demonstram que ele já tem sido usado por Deus. Veja-se, por exemplo, o pecado como ação e como castigo na época do exílio babilônico: “Na esperança de que se afastassem horrorizados, “deixei” que eles se afundassem no pecado. Eles chegaram a oferecer seus primeiros filhos como sacrifício aos ídolos. Isso aconteceu para que ficassem cheios de pavor e reconhecessem que eu sou o Senhor” (Ez 20.26).

Quando não briga mais com o pecador impenitente e o deixa fazer tudo o que ele quer, Deus não está poupando essa pessoa, mas punindo-a com o pecado.

A passagem mais clara da Bíblia (e a mais terrível) que dá toda razão a Agostinho encontra-se no primeiro capítulo da Carta aos Romanos. A expressão “Deus entregou” aparece três vezes seguidas. Indica uma permissão para que sigam o curso no qual remam, o que coincide com o termo seguinte (“aos desejos do coração deles”). “Desejos” aí refere-se à “vontade pessoal”, que está ligada à impureza e desonra dos corpos.

1. “”Deus entregou” os seres humanos aos desejos dos corações deles para fazerem coisas sujas e para terem relações vergonhosas uns com os outros” (1.24).

2. “Por causa das coisas que essas pessoas fazem, “Deus as entregou” a paixões vergonhosas. Pois até as mulheres trocam as relações naturais pelas que são contra a natureza. E também os homens deixam as relações naturais com as mulheres e se queimam de paixão uns pelos outros. Homens têm relações vergonhosas uns com os outros e por isso recebem em si mesmos o castigo que merecem por causa de seus erros” (1.26-27).

3. “E, como não querem saber do verdadeiro conhecimento a respeito de Deus, ele “entregou” os seres humanos aos seus maus pensamentos, de modo que fazem o que não devem” (1.28).

O que acontece hoje, o que vemos hoje, o que ouvimos hoje dão uma tremenda força à sentença de Santo Agostinho: “O pecado é o castigo do pecado”. Em quarenta anos (a partir de um incidente entre homossexuais e a polícia num bar de Manhattan, em Nova York, em junho de 1969), o movimento gay está generalizando o homossexualismo, o machismo e o feminismo. Isso mudou da água para o vinho os costumes, as concepções de certo e errado e as normas religiosas. “Dentro de período extraordinariamente pequeno” — lembra a historiadora Elizabeth Fox-Genovese — “ocorreu uma transformação cataclísmica da própria natureza e sociedade”. Todas as manifestações que considerarem a heterossexualidade normal “serão tidas como ilegais e absurdas e o cristão será considerado um fora da lei” — acrescenta Peter Jones, um especialista em paganismo. Esse doutor em teologia pelo Seminário Teológico de Princeton, nos Estados Unidos, conta que “quinze grupos cristãos católicos e protestantes já foram expulsos do campus da Vanderbilt, no Tennessee, por se recusaram, em princípio, a permitirem gays em sua liderança”. Um jornalista do canal de notícia Fox News declarou que “aqueles que se opõem ao casamento entre indivíduos do mesmo sexo estão do lado errado da história”.

Coerente com a teologia de Paulo, o abandono das relações naturais não foi a gota d’água, mas o resultado de condutas mais ousadas ainda, como, por exemplo, trocar “a verdade sobre Deus pela mentira” e adorar e servir às coisas que Deus criou e não ao próprio Deus (1.25).

Não há muita diferença entre Paulo e Agostinho: o primeiro diz “o salário do pecado é a morte” (Rm 6.23), e o outro diz “o castigo do pecado é o pecado”. Morte e pecado sempre foram irmãos gêmeos. No entanto, é interessante notar — diz o linguista Ronaldo Lidório — que “estas fortes afirmações paulinas vêm logo após ele expressar que o evangelho ‘é o poder de Deus para salvar todos os que creem’ (Rm 1.16). Isso deixa bem claro que não se trata de uma acusação gratuita, ou pura observação da degradação humana, mas de uma constatação de que a “epaggelia” (promessa do Messias que está no primeiro verso do mesmo capítulo), agora cumprida no “euaggelion” — que é Jesus — é suficiente para salvar a todo aquele que crê, independente do nível de separação entre Deus e o homem”.

Texto originalmente publicado na edição 343 de Ultimato.

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