A história completa de José e a do povo de Israel no Egito mostram que, no final das contas, quem teimosamente colocava José em evidência era o próprio Deus, tendo em vista os seus propósitos imediatos e futuros.

José, bisneto de Abraão, neto de Isaque e filho de Jacó, viveu no Egito por volta de 1.900 antes de Cristo, desde os 17 até os 120 anos, quando morreu. A essa altura as famosas pirâmides do Egito já haviam sido construídas, inclusive a Grande Pirâmide (com mais de 2 milhões de blocos de pedra que pesam em média mais de duas toneladas cada um).

José se revela a seus irmãos, Peter von Cornelius, 1816.

Antes de ser filho de Jacó e Raquel, José era filho da oração. Está escrito que Deus se lembrou de sua mãe e “ouviu a sua oração e fez com que ela pudesse ter filhos”. Então Raquel engravidou, deu à luz a José e mostrou-se agradecida ao dizer: “Deus não deixou que eu continuasse envergonhada por não ter filhos” (Gn 30. 22-23).

O que mais tem chamado a atenção dos leitores da Bíblia quanto à história de José são a túnica talar, a inveja de seus irmãos, a venda de José para os ismaelitas, as investidas sexuais da mulher de Potifar, o sucesso de José na casa de Potifar, no cárcere e na governança do Egito, tanto no período das vacas gordas quanto no período das vacas magras, e a generosidade de José com o pai e os irmãos.

Pouco se sabe e pouco se divulga o seu comprometimento com a missão integral e seu ministério no exercício da profissão. Num país acentuadamente religioso onde as divindades eram representadas por animais (como touro, crocodilo, falcão, carneiro e chacal) ou por estátuas com uma parte humana e outra parte animal, dar testemunho de um Deus uno e invisível exigia muita firmeza e muita paixão. É o que José fez pela vida e pela palavra. Diante do comandante da guarda, diante da mulher de Potifar, diante do chefe dos copeiros e do chefe dos padeiros da corte, diante de Faraó e de seus ministros, diante de todo o povo egípcio e de outros povos (nações do mundo inteiro iam comprar grãos das mãos de José) e diante de sua família. Poucas pessoas tiveram um ministério tão abrangente e variado como o de José, e ele mesmo não poderia supor, na sua juventude, que viria a desempenhar esse papel. Por algum tempo, o Egito foi o celeiro do mundo e quem tinha a chave do celeiro era José.

Além de ter honrado o nome do Senhor em todas as fases de sua vida no Egito, José foi um profissional contextualizado, pois adotou um nome egípcio (Zafenate-Paneia) e falava a língua do país (Gn 41.45; 42.23). Por saber lidar com qualquer situação, favorável ou desfavorável, ele se parecia muito com Paulo (Fp 4.12). José foi amado e odiado, humilhado e exaltado, caluniado e abençoado.

Na vida de José, a “missio Dei” (missão de Deus) estava em cumprimento. Deus o usou “de um modo maravilhoso” tanto para salvar a vida do povo eleito (Gn 45.7) como para “salvar a vida de muita gente” (Gn 50.20). Enquanto o ministério de Moisés, 430 anos depois (Êx 12.40-41), foi tirar o povo de Israel do Egito, o de José foi trazer os patriarcas para o Egito, ambos os acontecimentos dentro dos planos de Deus.

A história de José e a história de Jesus têm muito em comum. Ambos foram vendidos por pessoas muito chegadas, começaram seus ministérios com 30 anos de idade e tiveram seus momentos de muito choro.

José era resiliente

Resiliência é uma definição emprestada da física (propriedade de um corpo de recuperar a sua forma original depois de sofrer pressão) para descrever pessoas resistentes, que têm capacidade de lidar com seus próprios problemas, vencer obstáculos, não ceder à pressão, se reerguer. José é um bom exemplo de resiliência!

Quem foi tão teimosamente próximo de Deus como José? Quem foi tão teimosamente abençoado por Deus como José? Quem foi tão teimosamente posto em evidência como José? Quem foi tão teimosamente tentado a ir para a cama com uma mulher casada como José? Quem testemunhou de Deus tão teimosamente como José?

Tão teimosamente próximo de Deus

Quem concluiu que José era uma pessoa próxima de Deus foi seu próprio pai pouco antes de morrer. Quando chegou a vez de abençoar o seu décimo primeiro filho, Jacó exclamou: “José é como uma planta perto de uma fonte; ela dá muita fruta e seus galhos sobem pelo muro”. Essa fonte não é uma miserável poça d’água, uma lagoa qualquer, um rio qualquer, mas o Senhor, “o manancial de águas vivas” (Jr 2.13, ARA) ou “a própria fonte de água viva” (versão King James).

A vida de José não era um torrão seco, mas uma alma sem sede, sem fome, sem solidão, sem marasmo. Foi a força do Poderoso de Jacó e da Rocha de Israel que deixou seu arco teimosamente firme e seus braços teimosamente fortes (Gn 49.24).

Se Deus estava sempre com José era porque José estava sempre com Deus. De fato, ele era “como árvores que crescem na beira de um riacho, que dão frutas no tempo certo, e as suas folhas não murcham”. Tudo que pessoas assim fazem dá certo, como é o caso de José (Sl 1.3). Só para confirmar: José era “como a árvore plantada perto da água, que espalha suas raízes até o ribeirão”. Por isso, “quando vem o calor [os imprevistos, a maldade humana], ela não tem medo, pois as suas folhas ficam sempre [teimosamente] verdes” (Jr 17.8).

Tão teimosamente abençoado por Deus

A bênção do Senhor existe. A vida com a bênção de Deus é diferente da vida sem a bênção de Deus. Ela faz uma falta enorme. Ela não substitui a ação, não toma o lugar do suor e das lágrimas. É algo a mais, é um acréscimo misterioso. É como o óleo que lubrifica a máquina. Os Provérbios afirmam que “a bênção do Senhor traz prosperidade e nenhum esforço pode substituí-la” (10.22). Em outras versões, diz-se que “a bênção do Senhor é a base da verdadeira riqueza” (NBV), ou “a bênção do Eterno torna rica a vida” (AM). Há pessoas que estão bem por dentro da bênção da bênção, como o próprio Jacó, pai de José, que agarrou a Deus em Peniel e lhe disse resoluto: “Não te deixarei ir, a não ser que me abençoes” (Gn 32.26, NVI).

Pois bem, José foi um jovem teimosamente abençoado por Deus. Potifar percebeu que Deus abençoava seu escravo em tudo o que ele fazia e que, por causa de José, Deus abençoava tudo o que era seu tanto em casa como no campo (Gn 39.2-3). Quando José foi para a prisão, a bênção do Senhor sobre ele era tão visível e notória que ele caiu na simpatia do carcereiro (Gn 39.21-23).

Tão teimosamente posto em evidência

Por causa dos caminhos e da plena soberania de Deus, o jovem José era continuamente posto em evidência.

Jacó fez de José, o último dos onze filhos homens, o mais amado de todos. Essa preferência não era discreta. O pai fez questão de dar só a ele uma túnica de diversas cores e de mangas compridas (Gn 37.3). José estava vestido com essa roupa quando foi jogado por seus irmãos dentro de um poço vazio e seco. Jacó teve o desprazer de ver a peça suja de sangue, como sinal de que o rapaz havia sido despedaçado por um animal selvagem, o que não correspondia à verdade (Gn 37.23-33).

O chefe da guarda de Faraó colocou-o acima de todos os outros escravos e empregados, fazendo dele o seu ajudante particular e administrador de todos os seus bens, embora o agraciado fosse muito jovem e um estrangeiro (Gn 39.1-6).

O carcereiro fez de José o responsável por todo o complexo penitenciário, mesmo estando ele sob a acusação de um crime grave (tentativa de abuso sexual) envolvendo uma das primeiras-damas do Egito, a esposa do chefe da guarda de Faraó (Gn 39.21-23).

José era um estrangeiro no Egito. Tinha outra cultura, outra língua, outro Deus, outra religião e outros costumes. Além de forasteiro, era um ex-escravo e um ex-preso, solteiro e muito jovem. Apesar de tudo isso, para enfrentar os problemas do poderoso Egito, Faraó fez dele a segunda maior autoridade do país, com total liberdade de ação em qualquer área (Gn 41.37-57).

A história completa de José e a do povo de Israel no Egito mostram que, no final das contas, quem teimosamente colocava José em evidência era o próprio Deus, tendo em vista os seus propósitos imediatos e futuros.

Tão teimosamente resistente à tentação

A mulher de Potifar via José andando para lá e para cá em sua casa. Além de jovem, ele era de belo porte e bonito de rosto. Com o passar do tempo, ela começou a olhar para ele de modo diferente. Certo dia, ela encontrou-se com José e sem mais nem menos convidou-o: “Venha, vamos para a cama” (Gn 39.7). José recusou.

Embora não tivesse dado à mulher de Potifar a menor esperança de voltar atrás e embora desse quantas voltas fossem necessárias para não se encontrar com a mulher, “todos os dias ela insistia que ele fosse para a cama com ela”. E todos os dias José dizia não. Mesmo assim, ela continuava a atazanar o pobre rapaz. Certo dia as circunstâncias foram mais favoráveis a ela do que a ele. Potifar não estava em casa e nenhum dos muitos empregados estava por perto. Quando José entrou na casa, ela o agarrou pela capa e repetiu o velho convite: “Venha, vamos para a cama”. Para escapar mais uma vez, o jovem hebreu correu para fora sem se preocupar com a capa, que ficou nas mãos dela.

Provavelmente José foi tentado a não perdoar seus irmãos e a ter uma vida de amargura diante de tantas injustiças contra ele. Certamente foi tentado à corrupção, a beneficiar-se de sua posição – próprio de quem administra tantos recursos e tem tanto poder –, mas não o fez. É possível que também tenha sido tentado, como descreve Jó, a “orgulhar-se de ter muitas riquezas”, a colocar sua confiança no ouro, ou a adorar o “sol e a lua” (Jó 31.24-28).

Tão teimosamente testemunha de Deus

O testemunho de José é fabuloso. Ele nunca se esqueceu de Deus, nunca chamou a atenção para ele, nunca roubou para si a glória de Deus.

Desde que José entra em cena no capítulo 37 até sua morte no último capítulo de Gênesis, o penúltimo filho de Jacó cita dezoito vezes o nome de Deus, sempre com muita reverência, muita convicção e muito acerto.

José explicou à mulher de Potifar que não se deitaria com ela para não pecar contra Deus (Gn 39.9).

José afirmou ao copeiro-mor e ao padeiro-mor que “é Deus quem dá à gente a capacidade de explicar sonhos” (Gn 40.8).

José declarou a Faraó que a interpretação de seus sonhos não dependia dele, pois “é Deus quem vai dar uma resposta para o bem do senhor, ó rei”. (Gn 41.16).

Ao nascer seu primeiro filho, José pôs nele o nome de Manassés e esclareceu: “Deus me fez esquecer todos os meus sofrimentos” (Gn 41.51). Quando nasceu Efraim, o filho seguinte, ele voltou a se lembrar de Deus e tornou a esclarecer: “Deus me fez próspero na terra dos meus sofrimentos” (Gn 41.52, KJ).

Quando José se encontrou com seus irmãos pela primeira vez, ele lhes disse: “Eu sou uma pessoa que teme a Deus” (Gn 42.18). No segundo encontro, ele se revelou a eles e retirou deles qualquer medo de vingança e mencionou o nome de Deus quatro vezes: “Deus me enviou na frente de vocês” (Gn 45.5), “Deus me enviou na frente de vocês a fim de que ele, de um modo maravilhoso, salvasse a vida de vocês” (Gn 45.7), “não foram vocês que me mandaram para cá, mas foi Deus” (Gn 45.8) e “Deus me fez governador do Egito”.

Quando o velho Jacó chegou ao Egito e conheceu os dois netos, José explicou que eles eram filhos que Deus lhe dera. E, depois da morte de Jacó, quando seus irmãos ficaram outra vez com medo de José se vingar deles, José os acalmou com estas palavras: “Não tenham medo; eu não posso me colocar no lugar de Deus” e “É verdade que vocês planejaram aquela maldade contra mim, mas Deus mudou o mal em bem” (Gn 50.20).

Deus levantou esse jovem e o vocacionou a um propósito missionário. Deus se serviu dele como um colaborador em sua missão: a de ser glorificado por todos os povos da terra.

Texto originalmente publicado na edição 355 de Ultimato.
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