A ressurreição de Jesus de entre os mortos foi uma tremenda surpresa. Para todo mundo. Para os apóstolos. Para Cléopas e seu companheiro de caminhada. Para as mulheres da Galileia. Para José de Arimateia e Nicodemos. Para os principais sacerdotes. Para fariseus e saduceus, especialmente para estes, “que dizem não haver ressurreição” (Mt 22.23). Para o governador Pôncio Pilatos e o rei Herodes Antipas. Para as multidões que cantavam: “Hosana ao Filho de Davi” e para as multidões que gritavam freneticamente: “Crucifica-o”. E, talvez, até para Maria, sua mãe.


Os apóstolos custaram a assumir a ressurreição do Senhor, apesar das aparições. Jesus lhes mostrou as marcas dos cravos nas mãos e nos pés e ainda permitiu que eles o apalpassem (Lc 24.39-40), o que provavelmente fizeram, já que João declara algum tempo depois: “O que nossas mãos apalparam… anunciamos também a vós outros” (1 Jo 1.1-3). Para se certificarem de que era um Jesus ressurreto de carne e ossos, e não um espírito, o Senhor lhes pediu algo para comer na presença deles (Lc 24.41-43). Tomé foi o mais resistente. Não levou a sério o testemunho das mulheres da Galileia nem o testemunho de Pedro e João nem o testemunho dos demais apóstolos nem o testemunho dos dois discípulos de Emaús: “Se eu não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, e ali não puser o meu dedo, e não puser a minha mão no seu lado, de modo algum acreditarei” (Jo 20.25).

O que levou as piedosas mulheres da Galileia ao túmulo de Jesus antes do nascer do sol do primeiro dia da semana não foi a ressurreição dele, mas a suposta não ressurreição e a vontade férrea de ungir seu corpo com os aromas que haviam preparado (Mc 16.1; Lc 24.1).

Para as autoridades, para o povo e para os discípulos, a morte de Jesus foi o ponto final de sua vida, de sua carreira e de sua influência. Os dois andantes de Emaús usaram os verbos no tempo passado: Jesus “era varão profeta, poderoso em obras e palavras, diante de Deus e diante do povo” e “Nós esperávamos que fosse Ele quem havia de redimir a Israel” (Lc 24.19, 21).

Mas Jesus ressuscitou ao terceiro dia, “com numerosas e indiscutíveis provas” (At 1.3, BJ). E foi visto por muitas pessoas pelo espaço de quarenta dias, até ser assunto aos céus.

 

Surpresa totalmente desnecessária
A surpresa da ressurreição de Jesus não deveria ser surpresa.

Primeiro, por causa da lógica, como muito bem argumentou Pedro no dia de Pentecoste: “Não era possível que Jesus fosse retido pelo poder da morte” (At 2.24). Enquanto vivo, Jesus demonstrou poder absoluto sobre a morte. Ele havia arrancado da morte a filha de Jairo (recém-falecida), o filho da viúva de Naim (a caminho do cemitério) e o irmão de Maria e Marta (já sepultado e em estado de putrefação). Uma ressurreição não foi mais fácil nem mais difícil que a outra. Além de tudo, Jesus havia feito uma declaração muito ousada: “Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11.25).

Segundo, por causa do enredo, como bem expressam as Escrituras proféticas: “Não deixarás a minha alma na morte, nem permitirás que o teu Santo veja corrupção” (Sl 16.10; At 2.27). A história de Jesus e a história da redenção ficariam sem sentido se Ele não tivesse ressuscitado. Jesus desencravou a história e desencadeou os últimos acontecimentos ao abrir os sete selos do Apocalipse, porque não era um cordeiro morto, mas “um cordeiro que parecia ter estado morto” e que agora está “de pé, no centro do trono” (Ap 5.6). Desde o início do Apocalipse, Jesus é quem afirma: “Sou aquele que vive; estive morto mas agora estou vivo para todo o sempre” (Ap 1.18, NVI).

Terceiro, por causa da orientação dada a este respeito pelo próprio Jesus. Por diversas vezes e com muita clareza o Senhor revelou aos seus discípulos que em Jerusalém seria morto mas ao terceiro dia ressuscitaria: “Desde esse tempo, começou Jesus Cristo a mostrar a seus discípulos que lhe era necessário seguir para Jerusalém e sofrer muitas coisas dos anciãos… ser morto e ressuscitado no terceiro dia” (Mt 16.21; 17.22; 20.18-19). Certa feita, Ele explicou: “Por isso o Pai me ama, porque eu dou a minha vida para a reassumir. Tenho autoridade para dá-la e para retomá-la” (Jo 10.17-18). Jesus nunca separou sua morte vicária de sua ressurreição. Depois da transfiguração, Ele ordenou a Pedro, Tiago e João que a ninguém contassem a visão, “até que o Filho do homem ressuscite dentre os mortos” (Mt 17.9). Na noite anterior à sua morte, Jesus avisou aos discípulos: “Depois da minha ressurreição, irei adiante de vós para a Galiléia” (Mt 26.32).

Quarto, por causa das imagens que Jesus usou para ilustrar sua ressurreição. Uma delas foi tirada da conhecida história do profeta Jonas: “Assim como esteve Jonas três dias e três noites no ventre do grande peixe, assim o Filho do homem estará três dias e três noites [o resto da sexta-feira, o sábado e o início do domingo] no coração da terra” (Mt 12.40). A outra foi a relação que Ele traçou entre o templo de Jerusalém e seu corpo: “Destruam este templo, e Eu o levantarei em três dias” (Jo 2.19). Só depois da ressurreição é que seus discípulos entenderam que Jesus se referia não ao templo, construído em 46 anos, mas a Ele mesmo (Jo 2.22).

 

Ontem e hoje
Naquele tempo, a surpresa que não deveria ser surpresa foi a ressurreição de Jesus. Por falta de atenção. Por preguiça mental. Por negligência espiritual. Também por causa daquele véu diabólico que encobre o que está a descoberto e cega o entendimento sadio.

No tempo de hoje, os cristãos correm o sério risco de não acreditar nem esperar o cumprimento de outras promessas de Deus, tais como sua segunda vinda em poder e muita glória, a ressurreição dos mortos e a súbita transformação dos vivos e os novos céus e nova terra. Serão surpresas que não deveriam ser surpresas. A bem da nossa segurança emocional. A bem da nossa fé evangélica. A bem da nossa comunhão com Deus. A bem do nosso entusiasmo cristão!

Texto originalmente publicado na edição 263 de Ultimato.

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