por Jorge Barros*

 

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Hoje fez 50 anos que foi controlada a Revolta dos Marinheiros, a rebelião de praças que se entrincheiraram no Sindicato dos Metalúrgicos, na Rua Ana Néri, em Benfica. Eu e minha família morávamos ali perto, na Rua Fausto Barreto 10. Eu ia completar dois anos em maio daquele ano. Meu pai, Jorge da Costa, fora cassado pelo AI-2. Era sargento da Aeronáutica, militava no Centro Popular de Cultura da UNE e era estudante de direito na UFRJ, cujo campus era ao lado da Praça da República. Meu pai era atuante no C.A.C.O. (Centro Acadêmico Cândido de Oliveira), um centro de agitação do movimento estudantil, que completará cem anos em 2017.

Para completar o perfil “comunista” do meu pai — que nunca foi filiado a nenhum partido comunista — ele era locutor da Rádio Mayrink Veiga, no Centro do Rio, que era considerado um centro de agitação brizolista.

Essa introdução é para explicar que nas minhas veias corre sangue antigolpista. Acusado de não-sei-o-quê, meu pai foi preso incomunicável por 60 dias no Parque de Material Aeronáutico, na Avenida Brasil, Zona Norte do Rio. Apesar disso, nunca vi meu pai chorando pelos cantos, criticando o regime militar. Ele foi privado de participar de concursos públicos simplesmente porque fora cassado como militar, sem qualquer acusação formal. Só em 1979, quando comecei a estudar jornalismo, fui saber dessa história contada pelo meu pai. Eu detestava política, como boa parte dos jovens da minha geração.

Na faculdade, Suse, em Jacarepaguá, peguei um jornalzinho dos estudantes intitulado “Pro que der e vier”. Havia uma nota pequena, mas que cresceu diante dos meus olhos. Lembrava que um militante, Mário Alves, havia sido torturado, empalado e morto no Doi-Codi, na Barão de Mesquita. Aquela notícia me chocou. Por que afinal um ser humano havia sido vítima de tanta truculência dentro de um quartel do Exército? Os militares não eram preparados para enfrentar o inimigo externo? O que levou militares a assassinarem seus compatriotas, dentro dos quartéis transformados em masmorras?

A curiosidade, o pavor e as dúvidas diante de uma fração da História me levaram a cobrar do meu pai explicações sobre o que afinal fora aquela “revolução de 64”. No Centro Cívico Escolar (CCE) da Escola Marechal Mascarenhas de Moraes, no Caju, ouvi falar que os militares haviam feito uma revolução para livrar o país do comunismo. Mas era preciso tanta violência?

A resposta do meu pai durou uma noite. Foi uma aula de política em casa. Passei então a gostar do assunto e a ler tudo o que caía nas minhas mãos sobre política. Entendi que em 1964 o país estava dividido. Quem não tinha nada estava de um lado. Quem tinha muito ou alguma coisa estava do outro. Esse lado conseguiu apoio da elite militar e da superpotência americana para fechar o cerco e varrer os que estavam no poder e defendiam profundas reformas sociais e políticas. Quem tinha muito alegava que o Brasil marchava, sem volta, para o comunismo — ideologia difundida pela guerra fria, que dividia o mundo entre capitalistas e comunistas.

Atemorizados pela “ameaça comunista” — cujo pânico foi gerado pela propaganda americana — os religiosos, católicos e protestantes, também aderiram à ideia do golpe, de se romper com a legalidade, em nome da liberdade. O golpe gerou o que de pior pode gerar uma sociedade: terror, repressão política e social, censura à imprensa, violência sem controle, controle social absoluto, suspensão dos direitos políticos, arbítrio, ditadura. A democracia foi jogada na lata do lixo, sempre debaixo da tese de que o golpe era justamente para defender a democracia. Mentira em cima de mentira.

Cinquenta anos depois, temos um país pior, mil vezes pior do que se tivesse seguido seu destino democrático. Durante os anos de chumbo, não foi só tortura que se ofereceu aos oponentes. À sociedade foi entregue um legado de empobrecimento cultural e a desigualdade social se acirrou, enquanto os militares investiam em desenvolvimento. Até hoje o Brasil patina na educação. A impunidade na corrupção também é herança da ditadura, que, auxiliada pela censura à imprensa, conseguiu acobertar grandes falcatruas de seus ministros e governantes nomeados, sem eleições diretas. Os movimentos políticos e sociais foram castrados ao ponto de assistirmos hoje alguns deles renascerem sob a égide do terror e do mesmo tipo de violência que foi empregado pela ditadura.

Esclareço que nunca fui favorável à reação armada dos grupos de esquerda, que lutaram para derrubar a ditadura. Sinceramente, não me interessa mais se esses grupos tinham o ideal de implantar o comunismo no Brasil. Jamais conseguiriam. Não resta dúvida de que a luta armada acirrou também a reação da linha-dura do regime militar, que deu seu golpe de misericórdia com o AI-5, em dezembro de 1968. A ditadura poderia ser derrubada por ações pacíficas? Não se sabe, mas teria sido possível, sim. A não-violência também é uma forma de resistência.

Desculpe alugar vocês com meus dilemas. Cinquenta anos depois, estou cada dia mais convicto que nenhuma forma de ditadura vale à pena. Seja de direita, seja de esquerda. Criado à semelhança divina, o homem nasceu para ser livre e decidir seu próprio destino. E que Deus nos ajude a decidirmos pelo melhor. E, sem dúvida, democracia é melhor. Sempre.

 

 

*Este texto foi publicado hoje pela manha nas redes sociais no perfil do jornalista do O Globo Jorge Barros. Jorge é um amigo de longa data, homem de fé, irmão camarada e comprometido com a dignidade humana. É um privilégio tê-lo por aqui no Dignidade!

 

 

  1. Olá Jorge Barros, concordo plenamente “Estou cada dia mais convicto que nenhuma forma de ditadura vale à pena. Seja de direita, seja de esquerda. Criado à semelhança divina, o homem nasceu para ser livre e decidir seu próprio destino. E que Deus nos ajude a decidirmos pelo melhor. E, sem dúvida, democracia é melhor. “, mas por favor descreva com clareza o caminho que nosso país está tomando.

    • Equipe do Blog Dignidade!

      Resposta de Jorge Barros: “O Brasil vive novamente momentos de radicalização, mas a Justiça e a democracia têm prevalecido. O caminho que o país vai tomar será decidido nas urnas”.

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