por Ana Paula de Fátima Bueno
por Adrian Lincoln Ferreira Clarindo

RESUMO

O objetivo do presente trabalho é abordar alguns aspectos religiosos judaico-cristãos encontrados na obra As Crônicas de Nárnia: O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa, do autor inglês Clive Staples Lewis. Para investigar esta intertextualidade bíblica, usaremos as bases teóricas de Alister McGrath, Déborah Silva Stafussi, Raquel Lima Botelho, entre outras. Serão abordados alguns pontos por nós considerados relevantes dentro da obra em questão, a fim de que possamos observar com clareza a influência e mesmo as referências dentro dela ao texto bíblico. Logo, neste trabalho faremos o seguinte percurso: 1) Apresentaremos a obra, objeto de nosso estudo; 2) Investigaremos os seres mitológicos ficcionais presentes na obra. 3) Analisaremos como acontece a narrativa em U, que se dá em três picos: acontecimentos felizes, declínio e desfecho e 4) Observaremos qual a relação de Cristo com Aslam, personagem do livro.

Palavras-chave: Crônicas de Nárnia. Literatura. Bíblia.

ASPECTOS RELIGIOSOS NA OBRA AS CRÔNICAS DE NÁRNIA: O LEÃO, A FEITICEIRA E O GUARDA-ROUPA DE C.S. LEWIS

ABSTRACT

The aim of this work is to address some Judeo-Christian religious aspects found in the book The Chronicles of Narnia: The Lion, the Witch and the Wardrobe by the English author Clive Staples Lewis. In order to investigate this biblical intertextuality, we are using the theoretical bases of Alister McGrath, Deborah Silva Stafussi, Raquel Lima Botelho, among others. Some points will be addressed by us because they are considered relevant within this respective object, so that we can clearly observe the influence and even the references in it to the biblical text. Hence, in this work we will take the following route: 1) We present the work, the object of our study; 2) Investigate the fictional mythological beings in the work. 3) Analyze how the narrative happens in U-shape, which is given in three peaks: happy events, decline and endpoint, and 4) We will see what is the relationship of Christ with Aslan, a character in the book.

Keywords: Chronicles of Narnia. Literature. Bible.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo pretende analisar alguns aspectos religiosos judaico-cristãos encontrados na obra literária As Crônicas de Nárnia: “O Leão, a Feiticeira e o Guarda – roupa” (original “The Lion, the Witch and the Wardrobe”), do autor irlandês Clive Staples Lewis.
O estudo será fundamentado nas ideias dos teóricos Northrop Frye, Alister McGrath, Raquel Lima Botelho, entre outros. Com o uso de citações da Bíblia e comparações textuais, acredita-se que pode ser percebido o texto bíblico inserido na obra de nosso estudo.
Neste trabalho, faremos o seguinte percurso: Em um primeiro momento: apresentaremos a obra, objeto de nosso estudo; na sequência: investigaremos os seres mitológicos ficcionais presentes na obra; na terceira abordagem: analisaremos como acontece a narrativa em U, que na obra é apresentada em três picos: acontecimentos felizes, declínio e desfecho; e por último: observaremos qual a relação de Cristo com Aslam, personagem do livro.
Iniciaremos com a apresentação da obra ao leitor.

2 APRESENTAÇÃO DA OBRA

As Crônicas de Nárnia é uma coletânea de contos infantis. Sendo composta por sete livros e subdividida em: O Sobrinho do mago, O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa, O cavalo e seu menino, Príncipe Caspian, A viagem do peregrino da alvorada, A cadeira de prata e A última batalha.
O livro, do teólogo, professor e autor irlandês Clive Staples Lewis (1898-1963), foi lançado em 1950, mas tendo sido escrito em 1949. Na ordem cronológica dos acontecimentos da série o livro em questão seria o segundo, mas foi o primeiro a ser publicado, tendo, a série toda, relativo sucesso, contando com adaptações para o rádio, séries de televisão e filmes.
As Crônicas de Nárnia: “O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa” narra a história de quatro irmãos: Susana, Lúcia, Pedro e Edmundo, que saíram de Londres para morar com o professor Kirke, no local as crianças encontram um antigo e misterioso guarda-roupa. Entram no mundo de Nárnia em que há muitos anos é inverno, por causa da falsa rainha a Feiticeira Branca, Jadis. Com a ajuda do leão Aslam, os irmãos combatem o mal, derrotam a bruxa e trazem a paz de volta à Nárnia. Passam vários anos em Nárnia, se tornam adultos, de repente encontram o lampião e retornam para a casa, voltando a ser crianças.
No artigo intitulado como: A Intertextualidade Bíblica nas Crônicas de Nárnia de C.S.Lewis – um panorama, de Raquel Lima Botelho, mestre pela Mackenzie, a autora exemplifica o porquê de Lewis se basear em contos de fada:

Ao escrever histórias, Lewis aproxima seu leitor do real, do concreto sem, entretanto, racionalizar ou perder a leveza e o encanto da imaginação. “Para o autor, uma das vantagens dos contos de fada é que eles contam histórias de animais e de seres míticos que misturam atributos de adultos e crianças”. Os animais são como crianças no sentido que não têm responsabilidades; e como os adultos porque têm a liberdade de irem e virem. (BOTELHO, 2005, p.2)

Lewis gostava de ler contos de fada em sua infância, por isso utilizou em suas obras vários elementos observados nos contos, com o objetivo de deixar a leitura mais atraente e fantástica.
De acordo com Elaine Carneiro Domingues Sant’Anna, mestre pela Universidade Federal de Santa Catarina, em seu artigo denominado: Análise da Tradução das Intertextualidades Bíblicas realizada na obra O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa, de C.S.Lewis, podemos ter vários modos de ler a obra:

[…] Há diferentes modos de se ler O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, como, por exemplo: uma história mitológica, uma grande parábola, um conto de fadas (GREGGERSEN 2006) e, ainda, um texto que remete, dentre outros, a temas cristãos. No entanto, o próprio Lewis é bem aberto no que concerne a essa questão. (GREGGERSEN, 2006 apud SANT`ANNA, 2010, p.18)

Isso depende totalmente do conhecimento de mundo e do ponto de vista de cada um. E como visto, o próprio autor deixa sua obra aberta a interpretações.
Pode-se considerar a obra como um intertexto, pois é uma narrativa bíblica dentro de outro texto. Para esclarecer o termo intertextualidade, utilizou-se uma passagem do artigo da Sant´Anna:

[…] A – necessária – presença do outro naquilo que dizemos (escrevemos) ou ouvimos (lemos) é que postulamos a existência de uma intertextualidade ampla, constitutiva de todo e qualquer discurso, a par de uma intertextualidade stricto sensu, […], necessariamente, pela presença de um intertexto. (KOCH, BENTES e CAVALCANTE, 2007 apud SANT´ANNA, 2010, p.39)

Voltando nossa atenção aos aspectos religiosos, o mundo de Nárnia pode ser considerado um mundo de suposições, o de buscar e ilustrar a pergunta “e se”. “E se existissem dragões ou leões falantes, como seria tudo?”, por exemplo. Alister McGrath explana tal ideia:

Lewis convida seus leitores a entrar num mundo de suposições. Suponhamos que Deus decidisse encarnar-se num mundo como Nárnia. Como teria sido? Como seria esse mundo? Nárnia é uma narrativa que explora essa suposição teológica. A própria explicação de Lewis de como a figura de Aslam deve ser interpretada deixa claro que O leão, a feiticeira e o guarda-roupa é uma suposição – a exploração narrativa de uma possibilidade interessante. “Vamos supor que exista uma terra como Nárnia e que o Filho de Deus, que se tornou homem em nosso mundo, lá se tornasse um leão”. Vamos imaginar o que aconteceria depois. (McGRATH, 2013, p. 294)

Nesse trecho não se pode imaginar O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa como uma história verdadeira, mas sim no sentido “de suposições”. Para Déborah Silva Stafussi, graduada em Letras pela Mackenzie, em seu artigo intitulado como: O Possível Diálogo entre o Texto Bíblico e O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa, de C.S.Lewis, o autor Lewis difundiu o Cristianismo em sua obra, para tanto lançou mão das figuras fantásticas e dos contos maravilhosos.

3 SERES FICCIONAIS DA MITOLOGIA PRESENTES NA OBRA

Observa-se a magia existente em Nárnia, no artigo As Crônicas de Nárnia: Retrato Cristão na literatura de Clive Staples Lewis, de Jonas Sommer, Luziméri Magaldi Carreiro e Paulo Roberto Kliguer:

C.S.Lewis complementou a fauna de Nárnia usando seres ficcionais das mitologias grega, latina e nórdica, como, por exemplo: centauros (mitologia grega) e anões (mitologia nórdica). Árvores, neve, faunos, animais falantes, centauros, dríades, feiticeira, monópodes, leão, e até a figura moderna do Papai Noel, portador de boas-novas, permeiam a imaginação dos leitores e transformam a leitura em magia agradável. Seres estelares e rochas também ganham vida, corpo e alma e dividem espaço com seres humanos. (SOMMER J.; CARREIRO L.M.; KLIGUER P.R., p.9)

Lewis utiliza vários seres da mitologia e do imaginário popular, especificamente o Papai Noel, que representa um presságio de mudança. Por causa da Feiticeira Branca não comemorava-se o Natal em Nárnia, mas, como aconteceu a quebra do encanto, o Papai Noel reapareceu e trouxe presentes para os irmãos utilizarem em suas aventuras.
Stafussi explica como os personagens da obra são divididos:

O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa podem ser divididos em dois grupos: os que estão do lado de Aslam, como o Sr. Tumnus e os espíritos bons dos bosques, e os que estão do lado da feiticeira: os espíritos maus, os demônios, entre outros […]. As referências feitas a esses seres neste trabalho foram observadas no livro Manual Prático de Nárnia, de Colin Duriez (2005). (STAFUSSI, p.3)

Essa divisão dos grupos pode ser percebida com relativa facilidade, pois os que estão do lado de Aslam ajudam a resgatar Edmundo e os que estão do lado da Feiticeira tentam capturar os outros irmãos e matar Aslam.
Botelho elucida que todos os heróis da obra são bons, mas todos têm virtudes e defeitos, exceto Aslam:

Seu caráter é revelado por meio da história e de suas ações. O bem e o mal não são conceitos abstratos, estão vinculados às ações das personagens. O bem e o mal aparecem em inúmeros arquétipos reconhecíveis diluídos nas cenas da vida cotidiana e por isso mesmo não podem ser consideradas narrativas alegóricas, moralistas ou reducionistas. (BOTELHO, 2005, p.5)

O Sr. Tumnus é um fauno. É o primeiro personagem que aparece em Nárnia, presente na mitologia clássica . “Tem o corpo de homem da cintura para cima, chifre de bode e coberto de pelos, e da cintura para baixo tem o corpo e patas de bodes”. (Duriez, 2005, p.199). E quando encontra Lúcia pela primeira vez, fica muito surpreso, pois nunca tinha visto uma “Filha de Eva”.
Em certa passagem da obra, com o uso de uma flauta Sr. Tumnus toca uma melodia para Lúcia, a intenção era de fazer a menina dormir e entrar em um estado semelhante à de hipnose. Pois o fauno trabalhava para a Feiticeira Branca e a ordem era que quando encontrasse um “Filho de Adão” ou uma “Filha de Eva”, levasse imediatamente para ela, mas o fauno não teve coragem e deixou Lúcia voltar para casa.
Emanuel Ernandes Pereira de Lira, em seu artigo: O sagrado e a intertextualidade bíblica em “As crônicas de Nárnia”, de C. S. Lewis, explica que:

[…] a relação mais evidente com o livro sagrado acontece quando Lewis chama os personagens humanos que visitam Nárnia de Filhos de Adão e Filhas de Eva. Dessa forma, é claro para o leitor que as crianças, são a representação bíblica do homem e da mulher. (LIRA, 2011, p.53)

Isso acontece especificamente quando os seres de Nárnia referem-se aos irmãos, pois as crianças são chamadas de “Filhos de Adão e de Eva” com a intenção de manter a tradição, na qual só os humanos tinham direito de ocupar o trono. A seguinte passagem deixa isso muito claro: “Aslam decreta que o trono de Nárnia só pode ser ocupado por Filhos de Adão ou Filhas de Eva”. (DURIEZ, 2005, p.174)

4 ANÁLISE DA NARRATIVA EM U

Algo que podemos perceber na obra estudada é a sua narrativa em U. A narrativa em U, conforme Northrop Frye, acontece em 3 picos: 1º acontecimentos felizes; 2º declínio, a base do U e 3º desfecho. A partir desse conhecimento, pode-se dividir a obra.
O crítico canadense Northrop Frye afirma que a narrativa em U segue uma estrutura, conforme já citado e é recorrente em literatura. Essas características podem ser observadas perfeitamente nas Crônicas de Nárnia, conforme o trecho a seguir:

Isto nos fornece uma estrutura narrativa que é, grosso modo, em forma de U: à apostasia se segue uma queda em desastre e cativeiro; a isto se segue o arrependimento, e por uma ascensão e liberação até um ponto que está mais ou menos ao nível do começo. Este modelo em U, mesmo por aproximação, é recorrente em literatura como a forma comum da comédia. Nesta, uma série de infelicidades e de incompreensões leva a ação a um ponto baixo e ameaçador; a partir daí uma reversão afortunada no enredo despacha a conclusão para um final feliz. A Bíblia em seu conjunto vista como uma “divina comédia”, está contida numa estória em forma de U. (FRYE, 2004, p.206)

A Narrativa em U não acontece unicamente nas histórias bíblicas, mas nos contos de fada e também nos contos de Nárnia. “A principal característica é que em certos momentos da obra acontecem conflitos e são resolvidos no final da história”. (BOTELHO, 2005, p.7)
Como situação inicial do 1º pico, pode-se colocar o momento no qual Lúcia entra em Nárnia e encontra o Sr. Tumnus. A descoberta de um novo mundo:

Dez minutos depois, chegou lá e viu que se tratava de um lampião. O que estaria fazendo um lampião no meio de um bosque? Lúcia pensava no que deveria fazer, quando ouviu uns pulinhos ligeiros e leves que vinham na sua direção. De repente, à luz do lampião, surgiu um tipo muito estranho. Era um fauno. Quando viu Lúcia, ficou tão espantado que deixou cair os embrulhos. (LEWIS, 2009, p.106)

Na continuação da história temos um declínio que ocorre com a traição de Edmundo e por consequência a morte de Aslam. Então, tem-se o início do 2º pico da narrativa com a ressurreição de Aslam. Depois disso, Aslam liberta os prisioneiros, vai para o campo de batalha, vence e mata a feiticeira.
Os castores, animais falantes leais ao leão Aslam, guiam Susana, Lúcia e Pedro até o ponto de encontro com Aslam, eles explicam para os irmãos que Edmundo já esteve em Nárnia, ocasião em que se encontrou com a feiticeira e acabou traindo-os:

– Então, prestem atenção: ele já esteve com a Feiticeira Branca; está do lado dela; sabe muito bem onde ela mora. É triste dizer-lhes isso, porque, afinal de contas, é irmão de vocês, mas foi só olhar para ele e disse cá comigo: “Este é um traidor”. Tinha todo o ar de já ter encontrado a feiticeira e comido dos seus manjares encantados. Quem vive há muito tempo em Nárnia, não se engana: dá logo com eles. Nós os conhecemos pelos olhos. (LEWIS, 2009, p.140)

Quando Aslam ressuscita desvenda para Lúcia e Susana que há uma magia ainda mais profunda, mas a feiticeira não sabe do fato de que se uma vítima desejosa fosse morta na mesa de pedra, a mesa se partiria e ela ressuscitaria:

– Explico: a feiticeira pode conhecer a Magia Profunda, mas não sabe que há outra magia ainda mais profunda. O que ela sabe não vai além da aurora do tempo. Mas, se tivesse sido capaz de ver um pouco mais longe, de penetrar na escuridão e no silêncio que reinam antes da aurora do tempo, teria aprendido outro sortilégio. Saberia que, se uma vítima involuntária, inocente de traição, fosse executada no lugar de um traidor, a mesa estalaria e a própria morte começaria a andar para trás… (LEWIS, 2009, p.174 – 175)

O desfecho é o momento em que os irmãos são coroados reis e rainhas e quando Nárnia volta a ser como era antes do encantamento. Esse é o 3º pico da narrativa em U:

– Quem é coroado rei ou rainha em Nárnia será para sempre rei ou rainha. Honrem a sua realeza, Filhos de Adão! Honrem a sua realeza, Filhas de Eva! – disse Aslam. […] Os dois reis e as duas rainhas governaram Nárnia, e o reinado foi longo e feliz. (LEWIS, 2009, p.183 – 184)

Com relação a Edmundo, ele não tinha a intenção de fazer o mal, mas sua atitude o levou a agir de forma errada, sendo desonesto e traindo a confiança de seus irmãos. Podendo utilizá-lo como exemplo de homem ímpio e numa alusão possível ao Cristianismo, também pode-se perceber isso na Carta aos Romanos (7:18-19), na seguinte passagem:

Porque eu sei que em mim, isto é, em minha carne, não habita o bem. Eu sou capaz. Eu sou capaz de querer o bem, mas não de realizá-lo. Realmente, não faço o bem que quero, mas o mal que não quero. (BÍBLIA MENSAGEM DE DEUS, 1994, p.1170)

No livro As Crônicas de Nárnia e a Filosofia: O Leão, a Feiticeira e a Visão do Mundo, encontra-se a tradicional Teoria do Resgate da Redenção de Cristo, momento este que Cristo se doou em resgate dos pecadores:

Os antigos pensadores cristãos, como Orígenes de Alexandria (por volta de 185-254 d.C.), acreditavam que, ao pecar, os seres humanos se tornavam cativos de Satanás e das obras dele: pecado, mal e morte. Para libertar os prisioneiros, Cristo é oferecido em resgate. Cristo troca de lugar com os reféns; ele é oferecido como permuta ou pagamento pela libertação daqueles que estavam presos. Aceitando a troca, Satanás é derrotado, porque Cristo, como Deus encarnado, vence o pecado e a morte por meio de sua paixão, crucificação e ressurreição. (BASSHAM G.; WALL J.L, 2006, pg. 240)

5 RELAÇÃO DE CRISTO COM ASLAM, PERSONAGEM DO LIVRO

O tema central da obra é a batalha e a vitória do bem contra o mal através da redenção, a morte de Aslam inocente, para salvar Edmundo, pecador. O tema da redenção pode ser encontrado em Romanos (8:22) que diz que a natureza: “geme e suporta angústias até agora”. Tal passagem da Bíblia Sagrada explana sobre a redenção do homem através de suportar angústias e a dor de uma vítima voluntária e sem pecado.
Lira apresenta uma reflexão sobre a Bíblia e sobre como Lewis instiga os leitores a refletir sobre religiosidade:

Para os cristãos, a Bíblia ajuda-os a entender a vontade de Deus para suas vidas e a buscar, por meio da figura de Cristo, um abrigo e um socorro para suas aflições. E Lewis, por meio de sua obra literária e teológica, instiga o ser humano a refletir sobre a origem das coisas e sobre o mundo que o cerca, bem como a buscar uma solução para os conflitos espirituais e os problemas diários. A despeito de sua religiosidade, Lewis usa a fantasia que vive o leitor ao fazer sua viagem a Nárnia e incita-o a ter curiosidade sobre quem é a figura que representa o personagem da ficção no mundo real. Quando o leitor descobre a figura de Cristo na obra como um todo, Lewis cumpre seu papel de pregar o Evangelho e, sutilmente, faz que seu leitor entenda as qualidades de Jesus transmitidas pelo arquétipo de Aslam. (LIRA, 2011, p.55)

Para exemplificar a figura do leão Aslam que descreve Cristo e o diabo, utilizamos os versículos da Bíblia:

Então, um dos anciãos me falou: “Não chores! O Leão da tribo de Judá, a Raiz de Davi, venceu para abrir o livro e os seus sete selos!”. (Apocalipse 5:5) (BÍBLIA MENSAGEM DE DEUS, 1994, p.1292). Sede sóbrios! Vigiai! Vosso adversário, o Diabo, ronda qual leão a rugir, buscando a quem devorar (1 Pedro 5:8). (BÍBLIA MENSAGEM DE DEUS, 1994, p.1274)

Os autores Jonas Sommer, Luziméri Magaldi Carreiro e Paulo Roberto Kliguer, relataram que:

Embora haja controvérsia entre alguns escritores literários sobre haver uma relação entre o personagem principal – o Leão Aslam – e Cristo, e sobre Nárnia simbolizar o Mundo (seus habitantes e a raça humana), os leitores de Lewis, estudiosos de Nárnia […] e os apologéticos cristãos defendem um paralelismo entre esta obra e a Bíblia. A semelhança consiste no gênero literário narrativo. Na narrativa bíblica, a Criação perfeita surge do nada e é chamada à existência por um Ser Supremo – Deus – percebido como Trindade. Há o aparecimento do mal, personificado pelo anjo Lúcifer, incansável em tentar destruir o bem, perseguindo-o e utilizando o egoísmo do ser humano e por ele escoando toda a sorte de maldades, que visam destruir a criação de Deus (Gênesis 3)1. (SOMMER J., CARREIRO L.M., KLIGUER P.R., p.3)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo teve como objetivo explorar alguns aspectos religiosos judaico-cristãos da obra, objeto de nosso estudo. Para alcançá-los realizaram-se pesquisas bibliográficas, através de artigos e livros. Pode-se perceber que As Crônicas de Nárnia: o Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa é uma narrativa em U, como já citado anteriormente, em três picos.
Fizemos algumas análises da obra, quanto aos seres mitológicos ficcionais, como por exemplo: faunos, dríades, bruxa, entre outros. Também em relação aos momentos que faz a obra tornar-se uma narrativa em U. A relação de Cristo com o leão Aslam, pois, segundo a tradição cristã, Cristo morreu para salvar os pecadores e após três dias ressuscitou.
A mesma situação aconteceu com o Leão Aslam, morreu por causa do pecado cometido por Edmundo, mas como ele não era o culpado, a mesa de pedra partiu-se e ele ressuscitou. Através dos versículos da Bíblia pode-se exemplificar a figura de Aslam que descreve Cristo e o Diabo.
Conclui-se que as considerações dos autores pesquisados, assim como os textos da Bíblia, foram relevantes para que fossem realizadas as comparações dos personagens, assim como o entendimento da Narrativa em U. Entretanto ainda é possível de realizar outras leituras desse livro, considerando que o autor quando cria um texto, espera que outros sujeitos interpretem seu texto com discursos significativos e inatos, considerando os processos de intertextualidade e sua historicidade no decorrer do tempo.

REFERÊNCIAS

BASSHAM G., WALL J.L. As Crônicas de Nárnia e a Filosofia: o Leão, a Feiticeira e a visão do mundo. Tradução de Marcos Malvezzi. São Paulo: Madras, 2006.

BÍBLIA. Mensagem de Deus. Tradução de Padre João A. Mac Dowell. São Paulo: Edições Loyola, 1994.

BOTELHO, Raquel Lima. A Intertextualidade Bíblica nas Crônicas de Nárnia de C.S.Lewis. 2005. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2005. 12f. Disponível em: http://www.mackenzie.br/fileadmin/Chancelaria/GT6/Raquel_Lima_Botelho.pdf

DURIEZ, Colin. Manual Prático de Nárnia. Tradução de Celso Roberto Paschoa. Osasco: Novo Século, 2005.

FRYE, Northrop. O Código dos códigos: a Bíblia e a Literatura. Tradução de Flávio Aguiar. São Paulo: Boitempo, 2004.

LEWIS, C.S. As Crônicas de Nárnia: O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa. Tradução de Paulo Mendes Campos. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.

LIRA, Emanuel Ernandes Pereira de. O sagrado e a intertextualidade bíblica em “As crônicas de Nárnia”, de C. S. Lewis. LTP [online]. 2011, vol.29, n.57, pp. 51-55. ISSN 2317-0972.

McGRATH, Alister. A Vida de C.S.Lewis do Ateísmo às Terras de Nárnia. Tradução de Almiro Pisseta. São Paulo: Mundo Cristão, 2013.

SANT´ANNA, Elaine Carneiro Domingues. Análise da Tradução das intertextualidades bíblicas realizada na obra o Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa, de C.S.Lewis. 2010. Dissertação (Mestrado – Estudos da Tradução) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010. 180f. Em: http://www.pget.ufsc.br/curso/dissertacoes/Elaine_Carneiro_SantAnna_-_Dissertacao.pdf

SOMMER J.; CARREIRO L.M.; KLIGUER P.R. As Crônicas de Nárnia: Retrato Cristão na literatura de Clive Staples Lewis. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/102625766/44827911-Retrato-Cristao-Na-Literatura-de-CS-Lewis-Artigo. Acesso em: 15 Set. 2014.

STAFUSSI, Déborah Silva. O Possível Diálogo entre o Texto Bíblico e O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa, de C. S. Lewis. 6 p. Disponível em: http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/CCL/projeto_todasasletras/inicie/DeborahSilvaStafussi.pdf

  1. Olá, sou estudante do Ensino Médio e gostaria de lhe parabenizar pelos ótimos argumentos. Estava em busca de pesquisas sobre C. S. Lewis e encontrei seu site. Ótima teoria, me ajudou muito.
    Abraços, Julia.

    • Gabriele Greggersen

      Oi Eduardo,
      Realmente, o artigo carece de fontes primárias. Mas também não pretende ser uma tese. É só um artigo.
      Sim, os mitos nórdicos eram muito importantes no pensamento de Lewis. Mas nas Crônicas, ele usou mais os gregos, tirando o Papai Noel, se é que podemos considerá-lo um mito. A influência é mais forte nos escritos do amigo de Lewis, J.R.R. Tolkien.

        • Estou publicando um livro, junto com o Vinícius A. Miranda sobre a simbologia nas Crônicas. Mas certamente não são as únicas e não são a verdade absoluta sobre o assunto. Que tal você mesma tentar fazer as suas associações? Era isso que Lewis queria e desejava: que cada leitor descobrisse a sua simbologia pessoal das Crônicas de Nárnia. Essa é só uma entre as várias possíveis.

        • Gabriele Greggersen

          Oi Talita.
          Sua pergunta é ótima, mas muito grande para eu responder por aqui.
          Estou escrevendo um livro com um amigo sobre isso. Em breve vou divulgar no site.

          Abraço

          Gabriele

  2. Fabíola Lúcia Guimarães Anauate

    Gabriele, muito obrigada por disponibilizar este lindo trabalho. Eu e minha família, adoramos. Gostaria de dizer que assistimos antes sem ter lido seu trabalho e, recentemente após lê-lo e gostamos mais ainda da obra do Lewis. Nossa filhinha Helena, de 8 anos assistiu desta vez e tivemos a oportunidade de mostrar a ela algumas pequenas passagens bíblicas que, dentro do nosso breve conhecimento, conseguimos relacionar . Obrigada novamente. Felicidades.

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