Abraão é o patriarca a quem Deus chama para deixar sua terra e toda sua parentela para ir a uma terra longínqua com uma promessa de ter uma família abençoada e abençoadora (Genesis 12:1-3).

Ele vivia inicialmente com seu pai (Terá) e seus dois irmãos (Naor e Harã) (Gen. 11:27) em meio aos caldeus, na cidade de Ur. A morte de Harã (Gen. 1:28) parece precipitar a saída de Terá de Ur, indo estabelecer-se em um local ao qual deram o nome do filho/ irmão falecido (Harã – Gen. 1:31).

Em uma noite de escuras emoções, Abraão ouve a voz de Deus que lhe pede para deixar sua família e ir para outra terra, onde seria abençoado e pai de uma imensa nação. A inquietante proposta incluía abandonar Sara? Afinal esta não lhe dava filhos (Gen. 11:30). Sara estava ali, deitada a seu lado, acariciando-lhe os pés e o toque de sua pele ampliava a agonia de sua decisão.

Por um lado tinha presente em sua mente a voz que lhe havia indicado sair do meio de sua família, por outro lado algo totalmente novo o inquietava em seu corpo de uma forma estranha, abandonar a família era também abandonar-se às carícias dessa mulher que naquele instante sequer podia ver seu rosto, apenas podia sentir sua pele.

As emoções daquele instante ficaram gravadas na pele de Abraão, que a partir de então não seria mais o mesmo. Se Deus os atraiu para esse caminho incerto, o mesmo Deus confirmaria a ele, na proximidade da mulher, uma presença contundente, que instaura em Abraão a masculinidade, terreno onde a promessa fundaria seu significante inicial.

Assim principia a história destes caminhantes errantes, que vagueiam pela terra em um pacto de fidelidade – modelo estruturador de toda fé. Sendo Sara estéril, Abraão tinha o aval cultural para descartar sua esposa e buscar outra mulher, mas no vínculo da fidelidade à uma só carne a fé vai se estruturando em um crescente, que se inicia com cambaleantes passos.

No Egito Abraão descobre o quanto Sara é deslumbrante como mulher – uma mulher na meia-idade ainda linda e desejável aos olhos do Faraó. Nesse evento passional inesperado surge um primeiro caos: tudo se mescla para Abraão. As diferenças entre o erótico e o medo, entre vocação e lembranças, entre a esposa e a parente (afinal Sara era também filha de Terá – Gen. 20:12). Nesse conflito surge o novo e a vida se manifesta como intimidade. Da mesma forma que Deus cria homem e mulher, ele também cria a intimidade.

Essa intimidade tem a origem em uma separação (deixar a família) em base da Palavra de Deus e que tem também como horizonte um filho e no horizonte longínquo O FILHO. A intimidade erótica, estruturada sobre a fidelidade, é protegida por anjos que, tal como com José e Maria, guardam a imaturidade dos medos (Gen. 18:1-2). Os anjos são também os significantes vivos que tornam real a promessa original da Palavra.

Por sua vez o desfrute é delimitado por uma espera e essa delimitação torna-se visível no tempo acumulado que se registra na própria pele.

Essa grande descoberta do invisível é a própria vida, que revela a intimidade, conduzindo a carícia e mantendo lúcida a consciência, na estreita proximidade com o fracasso: essa descoberta da intimidade será a fé! Esse novo fenômeno, originado na intimidade e gerado pelo desespero, que assegurará a Abraão o melhor lugar no rol dos personagens do Antigo Testamento.

A fé é a conquista que amadurece no esperar. Uma espera onde se aprende e suportar o desespero como momento complementário do prazer. A fé, por outro lado, é a saída da confusão que se produz quando um projeta no outro os conteúdos imaginários do desejo. Portanto a “anaformose” (processo no qual o rosto vai se transformando infinitamente) é a experiência necessária para produzir de maneira sonora a palavra “te amo”. Palavra que é a plenitude da vida e que surge sempre da fé, cujo pai é Abraão.

Fé que não se estabelece como um fato e sim como processo gradativo, titubeante num labirinto de equívocos – como Hagar (Gen. 16:4), e que precisa de muitas reafirmações: Gen. 12:1-3; Gen. 14:19; Gen. 15:1-6; Gen. 17:1-2; Gen.18:10. Fé que se reafirma como a “certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos”.

* (texto escrito em parceria com Dr. Carlos José Hernandéz – psiquiatra argentino)

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