Por Carlos “Catito” Grzybowski

Quadro "A Família" (1925), de Tarcila do Amaral

Quadro “A Família” (1925), de Tarsila do Amaral

Sociólogos, antropólogos e outros estudiosos da área de ciências humanas têm debatido, sem chegar a um consenso, sobre a definição de família. Desde definições que limitam o conceito aos vínculos consanguíneos envolvendo várias gerações até definições modernas que denominam de família unicelular as pessoas que vivem sozinhas – embora no censo norte-americano, tais pessoas são denominadas de “não-família”. Por aí vemos a complexidade do tema.

A “família” brasileira, segundo o censo do IBGE, tem muitas configurações nas quais inclui as “produções independentes”, casais com várias uniões cujos filhos de distintas uniões vivem sob o mesmo teto e os pares homoafetivos, entre outros.

Entretanto a ideia moderna de família está fundamentada sobre o conceito existencialista do século 17 de indivíduo, em torno do qual gira toda a construção da modernidade e desemboca no superlativo do “individualismo”, que norteia desde a economia do consumo até os atualmente denominados “direitos humanos”.

Seguir uma discussão nessa perspectiva nos leva a um beco sem saída, pois do ponto de vista psicológico, família é uma unidade de unidades tão entrelaçada que é impossível distinguir este conceito de indivíduo nestas relações. Gregory Bateson, antropólogo construtor dos conceitos fundantes da teoria sistêmica, afirma que não consegue perceber a realidade como possuindo algo que seja independente de outro algo, sendo difícil conceber o conceito de indivíduo.

Assim, viver em família, ou tornar-se família, pressupõe dois elementos essenciais: diferença e complementaridade. O crescimento de um organismo só se dá “em relação a” e isso pressupõe a diferença. Dois elementos iguais em tudo não promovem crescimento ao conjunto e, por conseguinte, se o conjunto não cresce, a parte que o compõe também não cresce. A complementaridade se dá no reconhecimento da incompletude e limitação do “indivíduo” e é sempre simétrica. Em outras palavras, eu só me constituo a partir do outro: só me torno marido diante de uma esposa; só me torno pai diante de um filho.

Concluindo: viver juntos debaixo de um mesmo teto, mesmo passando por rituais, civis ou religiosos, não nos constitui família. Família transcende estes conceitos e, como cita o filósofo francês Gabriel Marcel, faz parte do que não pode ser problematizado – é um mistério! E como tal só pode ser contemplado.

Eu só me constituo como família quando participo em uma relação com o outro que é diferente e complementar, que me proporciona crescer na relação a partir desta diferença e complementaridade.

Nossa sociedade moderna estimula vínculos baseados no individualismo, onde o outro deixa de ser o que me constitui e passa a ser objeto para o meu desfrute individualista, logo descartável quando o desfrute chega ao fastio ou esbarra nas limitações de minha humanidade. Esses vínculos são essencialmente não-família, independente da forma que possui. Por exemplo: o divórcio fácil é resultado da não vinculação real, pois em tal união jamais está presente a possibilidade de frustração a partir das diferenças. Uniões como estas são pseudo-relações, que, como outras similares, hoje em dia se denominam equivocadamente de “família”!

 

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