Recentemente fui surpreendido com algumas manifestações de carinho no Facebook. Pessoas muito gentis me saudavam pelo dia do compositor. Confesso, eu não sabia da existência dessa data celebrativa. Prontamente agradeci a generosidade dos que me incluíram em suas listas. Enquanto fazia isso pensava com os meus botões: “Será que sou realmente um compositor?” Imagino que seja uma pergunta que inquieta a alguns que estão nessa labuta.

Fruto dessa reflexão surgiu esse texto. É uma tentativa de enumerar alguns dos meus anseios, aquilo que almejo para me tornar um compositor mais qualificado, mais apropriado para servir ao Reino de Deus. Confesso que trago muitas frustrações pessoais tanto como compositor como consumidor de arte. Queria muito ver todo o mundo sendo inebriado por produções belas, instigantes e marcadas pela Palavra de Deus. Aqui e ali vejo manifestações dessa graça, mas, convenhamos, não é algo comum.

Assim, ouso aqui enumerar alguns itens que julgo importantes no trabalho artístico que devo realizar. Pode funcionar como uma lista de sugestões caso alguém se interesse:

1. Precisamos ampliar os temas tratados na arte que produzimos. A fé cristã deve dialogar com a vida num todo. Ao restringirmos nossas composições musicais a temas religiosos, eclesiásticos ou ao estilo “adoração” perdemos uma grande oportunidade de manifestar à nossa cidade, nosso país e ao mundo o que pensamos sobre tudo. Temas relevantes como relacionamento conjugal, criação de filhos, ecologia, violência, corrupção, entre tantos outros, são via de regra esquecidos pelos artistas cristãos nos diversos segmentos das artes. A Bíblia abre campo para todos esses temas;

2. Precisamos tratar sobre assuntos ambíguos do mundo que vivemos. Alister McGrath, em seu livro “Teologia Pura e Simples”, relembra o conhecido Salmo 19.1: “Os céus proclamam a glória de Deus…”. Mas, logo depois nos alerta que nem tudo o que vemos no mundo revela a glória divina, pois os sinais da queda estão aí e macularam a perfeita obra do Criador. Quando, em nossas produções artísticas, fechamos os olhos para essas realidades, tendemos a produzir uma arte um tanto ilusória, falamos de um mundo ideal, mas não real. O resultado é que numa arte assim não há espaço para a manifestação das vozes proféticas do hoje. A ambiguidade é uma realidade e precisa ser tratada em nossas canções e demais manifestações de arte, à luz do Evangelho da esperança;

3. Precisamos aprofundar o nosso conhecimento da Bíblia e adotarmos a prática disciplinada de uma vida de oração e comunhão com Deus. Infelizmente, santificação é algo raro atualmente. Temos que cuidar de nosso tempo de encontro com Deus e sua palavra de maneira disciplinada. Não é à toa que disciplina e discipulado são palavras que provém de uma mesma raiz. Não há discipulado sem disciplina. Se somos discípulos, então a disciplina é necessária e até fundamental para nosso vigor espiritual. Ainda, será preciso exercitar os músculos da reflexão bíblica e teológica. Os artistas devem investir tempo e recursos em leitura e participação de encontros e conferências buscando substrato para a reflexão e meditação. McGrath escreveu: “Ao revigorar a nossa visão de Deus, a teologia assegura que nós apresentemos constantemente a fé como uma dinâmica e transformadora realidade para a nossa cultura. Não falamos de Deus com a repetição enfadonha do passado, mas com a empolgação e paixão de descoberta e compromisso”. E mais adiante surpreende-nos: “A teologia realiza bem o seu trabalho quando nos deixa de joelhos, adorando o mistério que está no coração da fé cristã”. Nossa arte deve beber desse encontro;

4. O trabalho do compositor precisa ser laborioso. Isso significa que demanda dedicação intelectual e envolvimento emocional: leitura, estudo, oração, reflexão. Vamos precisar, antes de tudo, ler muito a Bíblia e orar bastante. Depois, ler o mundo e chorar por ele. Rookmaaker nos lembrou que “diante de sua tarefa, o artista cristão deve chorar, orar, pensar e trabalhar. Apenas os cristãos sensíveis à realidade do seu tempo podem ser levados a orar em busca de iluminação e sabedoria a fim de oferecer uma resposta cristã, ou verdadeiramente humana, nas artes”. Precisaremos buscar a ajuda de autores cristãos de todos os tempos para desenvolvermos uma mente cristã, teológica. Precisaremos, ao mesmo tempo, ler romancistas renomados, poetas consagrados, ler sobre diversas áreas da ciência, ouvir muita música, visitar exposições de artes, peças teatrais, espetáculos de dança – aguçar nossa sensibilidade artística. Isso tudo ajudará a aperfeiçoar a linguagem, adequar os pensamentos, aplicar o conhecimento bíblico e teológico ao que se rende o mundo atualmente, aprimorar nossa escrita, reelaborar nossas idéias. McGrath, citando Iris Murdoch, escreveu: “a imaginação completa o que a razão observa, revelando assim uma visão mais rica da realidade”.

A produção artística responsável exige nosso esforço na busca do aprimoramento de uma arte que eleve o pensamento cristão de nossos dias a ponto de se apresentar como uma firme proposta no mercado das idéias. Do contrário, não passaremos do estágio de música de gueto, feito para o consumo “dos de casa” tão somente. E o que é mais triste, seremos explorados pelos servos de Mamon que idolatram a acumulação de bens – seremos transformados em iscas para a exploração financeira por meio do apelo da fé. E, assim, o ideal cristão de transformar o mundo por meio da Palavra de Deus e do encontro com Jesus Cristo se perderá. Jamais nos esqueçamos: sal da terra e luz do mundo é a nossa identidade e o nosso chamado.

  1. Este comentário, Carlinhos, é referente ao artigo sobre o Cartola, msa resolvi postar aqui. Grato.

    Sergio da Silva Sena, Pastor da Igreja Cristã Pentecostal Brasileira.

    Enquanto escrevo este comentário estou curtindo o samba do saudoso Agepê: Lá Vem o Trem.

    Para mim, umas das melhores representações da influência que a mensagem cristã exerce numa sociedade quando a igreja lidera através da demonstração de seus principios e valores.

    Temos também The Commmoderes: Jesus is Love.
    E tantas outras no Brasil e fora. São reflexos do contexto. por aqui dá de ver na prática o efeito do sal ensinado por Jesus. É claro qeu não estou falando de conversão total da sociedade, mas do respeito e da consideração por Deus.

    Nesta época qualquer apelo a Cristo resultava em aceitação, pois sabiam tinham consciência que eram escravos do pecado. Hoje não. O pecado é um estado desejavel do ser humano em que todo o seu contexto social contribui fortemente e lidera sem perdê-lo.

    De vez em quando me reuno com os jovens de nossa igreja e entorno para ensiná-los sobre isso.

  2. O mundo cristão brasileiro é carente de arte no geral. Seu texto é mais um grito, não solitário. Percebo outras pessoas de outras partes do país se manifestando. Um grito que forma um dueto, um quarteto e acredito que estamos formando um coro em breve sobre a reflexão sobre Arte x Religiosidade, sobre Arte redimida. Compartilhando seu texto. Deus abençoe!

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