Livro da Semana   |   Paul Tournier

 

Para Paul Tounier, a ternura não é pieguice ou enternecimento. É atenção à pessoa, restabelecer a primazia das pessoas sobre as coisas.

 

Penso que o futuro está na ternura, mas temo ser mal compreendido.

Participei do Instituto Ecumênico, em que houve um seminário sobre o ministério de cura na Igreja. Tive o prazer de promover um verdadeiro diálogo entre teólogos e médicos. Naturalmente alguns participantes se agruparam ao meu redor e questionaram-me sobre este livro, que eu estava escrevendo. Estava sendo interpretado por uma charmosa polonesa chamada Halina Bortnowska.

De repente, ela parou de me interpretar para perguntar vivamente: “Ternura! Como é irritante para uma mulher ouvir sem cessar sobre uma missão de ternura! Não é uma forma de enviá-la para uma casa de repouso, fora da vida ativa, à margem da sociedade, de contestar suas capacidades intelectuais e objetivas e reduzi-la a uma função inferior de consoladora?” Tentei aplacar a sua revolta colocando um pouco da ternura permitida nesse tipo de ambiente tão hostil.

Procurei dissipar o mal-entendido. Não contesto mais as aptidões objetivas da mulher, como também não considero o homem incapaz de sentir ternura. Ficamos condicionados pelo desprezo da ternura que caracteriza nossa sociedade e a reduz a uma pieguice estúpida, aos carinhos de consolo, a um puro enternecimento que só se faz nas duras realidades da vida. Ternura é outra coisa.

Proponho a seguinte definição: ternura é atenção à pessoa. É por isso que falei da pessoa ao longo de todo este livro, da relação pessoal que precisamos reencontrar. Como escreve Erich Fromm,33 “o homem moderno perdeu contato consigo mesmo, com os outros e com a natureza”. É, sem dúvida, numa enfermaria que este contato pessoal ainda está preservado. Fora de lá, falta tragicamente na sociedade, no mundo dos negócios, nos escritórios, nos estúdios e nos laboratórios; falta cruelmente a atenção à pessoa. Como falar de uma missão da mulher na sociedade se ela ainda está à margem da sociedade?

Do mesmo modo, quando falei desse assunto em Bâle, a primeira mulher que tomou a palavra na discussão acreditou que eu estava falando de uma missão da mulher somente para jogá-la de novo em outro campo de atividade, longe do homem, fora do mundo do trabalho; mas, ao contrário, tenho dito que é aí sua missão. Não posso evitar tais interpretações. O problema levanta muitas paixões e melindres. As mulheres que conquistaram com grandes lutas o direito de sair do apartheid estão prontas a suspeitar de que as quero relegar de volta à segregação, e eu as compreendo.

Devo ao menos declarar que o meu pensamento é exatamente o contrário. A missão da mulher de que falei aqui concerne a cada mulher onde ela estiver. Casada ou solteira, no lar ou no trabalho, sua missão é sempre a mesma – restabelecer a primazia das pessoas sobre as coisas. Mas é justamente no setor público e cultural que essa prioridade é mais escarnecida. Há, então, uma necessidade bem clara de que a mulher encontre primeiro um caminho para chegar lá; é preciso também que sua autoridade seja mais reconhecida.

Mesmo na política, onde raramente existem relações pessoais entre os que se afrontam nas lutas partidárias sem sentido, falta-lhes o conhecimento mútuo. Um antigo membro de um de nossos governos confiou-me que, justamente com dois de seus adversários políticos, foi que ele se entendeu da maneira mais eficaz possível.

Entre mulheres surge mais frequentemente uma doença, uma ferida de amor próprio, talvez por serem mais suscetíveis que os homens. Mas é porque são mais pessoais e intuitivas; a afetividade está sempre em alerta. Manifestam com mais ingenuidade uma crítica aparentemente sem muita importância, e a mulher visada pela crítica não se engana, sabe muito bem que é com ela. Em suma, existem dois territórios: o das ideias, objetivas e abstratas, sobre as quais pode-se debater apaixonadamente, mas sem grande risco de ser ferido; e o dos problemas pessoais, tão carregados de emoção. Para estes, o homem fecha voluntariamente os olhos. Respeita prudentemente a fronteira.

• Trecho retirado de A Missão da Mulher, de Paul Tournier (Editora Ultimato)

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