Em São Paulo em 1936

Uma senhora norueguesa, oficial do Exército de Salvação, certo sábado à noitinha, vendia o jornal Brado de Guerra nas ruas da capital bandeirante. Atravessou o Largo Paissandu e entrou na Rua Timbiras, naquela época lugar suspeito. Percebeu logo o ambiente pesado e sua mente se encheu de um misto de pavor, revoltas, asco. Prevaleceu também um sentimento de profunda piedade pela figura universal e tão velha da chamada “mulher perdida”.

Aproximava-se o Natal de 1936. A Ajudante Helene Londahl resolveu fazer alguma coisa em favor daquelas vítimas da prostituição. Contou com a colaboração da Sociedade Auxiliadora Feminina da Igreja Presbiteriana Unida, na Rua Helvetia, que se prontificou a oferecer uma mesa de guloseimas no salão social da própria igreja. Helene se fez acompanhar de uma outra salvacionista, esta brasileira, Maria Josefina Anderson, de 21 anos, e nos dias que precederam o Natal, ambas com o uniforme do Exército da Salvação, se enfiaram na zona segregada e fizeram cerca de 300 convites, entre o espanto, o desprezo, e o estado de embriagues daquelas mulheres.

No dia de Natal, a mesa estava muito bem adornada e suprida. As senhoras se perguntavam: elas virão? Quantas? Por fim, chegaram quatro, apenas quatro. Sentaram-se à mesa, foram servidas com amor. Enquanto participavam, desenvolveu-se um pequeno e bem organizado programa espiritual. O propósito de tudo era mostrar-lhes o amor de Deus e a necessidade e possibilidade de recuperação. Uma delas, de tão sensibilizada, levantou-se bruscamente e pôs-se a chorar. A ajudante Londahl foi a seu auxílio, ofereceu-lhe um lugar para residir em seu próprio quarto até que ela se ajeitasse. A moça aceitou. Ficou combinado que em breves dias a norueguesa a iria buscar para o início de uma nova vida. A palavra, no entanto, foi cumprida tão somente pela salvacionista. A mulher da Rua Timbiras não conseguiu libertar-se da rede diabólica em que fora colhida.

Em termos de frutos e imediatos, o balanço de tão bela iniciativa foi melancólico. Porém, é bom saber que o Lar das Moças, no Bosque da Saúde, em São Paulo, onde se ampara e se procura erguer as possíveis futuras mulheres da vida, é resultado da visão e do trabalho de Helen Londahl!

(Baseado no livro Nas Mãos de Deus, de Isabel Botelho de Camargo Schutzer)

<< Publicado na revista Ultimato (novembro de 1968).

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