Especial Lausanne III – Carta lida por Key Yuasa, brasileiro de origem japonesa, pastor da Igreja Evangelica Holiness da Liberdade em São Paulo, no último dia de Lausanne 3 (24/10) no Auditorio n. 1 do Convention Center do Cape Town, onde se reuniam todas as delegações ao sul de Sahara, neste momento presidida pelo Arcebispo Henry Orombi da Uganda.

Amados irmãos e irmãs do grande continente da Africa:

Nós os participantes brasileiros de Lausanne III temos sido abençoados abundantemente neste Congresso e estamos muito felizes de estar nesta parte do mundo. Os navegadores portugueses do século XV venceram os temores e as dificuldades naturais do Cabo das Tormentas, e abriram o caminho do comercio para Moçambique e para as Indias. Aqui eles ganharam inspiração, ousadia e coragem para explorar o Oceano Atlantico Sul e procurar chegar às Indias ainda que fosse “por mares dantes nunca navegados” avançando para o oeste, e Pedro Alvarez Cabral oito anos depois de Colombo foi capaz de “descobrir” a Ilha de Vera Cruz, depois rebatizada de Terra de Santa Cruz, quando perceberam que não era ilha, e depois terra do Brasil.

Ao re-lembrar esses fatos da formação de nossa terra e nação, não podemos deixar de recordar nossa grande dívida histórica, moral e física para com o grande continente da Africa, seus povos e nações. Depois da descoberta e por quase 400 anos do Brasil colonia e Brasil independente, nós dependemos do trabalho escravo para a formação de nossas plantações, para cavar nossas minas, para a construção de nossas casas, nossas cidades e nossa nação. Assim cometemos o pecado de seqüestrar pessoas deixando atrás muitos órfãos, destruindo casas e vilas causando feridas profundas em suas nações.

Cometemos o pecado de homicídios, de tratar pessoas criadas à imagem de Deus como bestas, impondo em seus povos violência física, psicológica e moral e condições sub-humanas de vida; cometemos abusos de todos os tipos e sempre que foi possível ajudamos a destruir suas identidades pessoais, familiares, culturais e nacionais.

A dívida moral que nós temos em relação as suas nações e povos é tão vasta, profunda e enorme, que nem começamos a medi-la. Cremos que é uma dívida impagável.

Se nós quiséssemos mostrar que realmente sentimos muito pelo que aconteceu e que estamos arrependidos desse pecado histórico de nossa nação em contra de vossas nações, nos teríamos de vir até vocês e dizer: Por favor dá nos a graça de sermos seus escravos. Sejam por favor nosso patrões e nossos senhores, e dá-nos a oportunidade de servi-los. Deixa-nos ajudar a construir suas fazendas, cavar suas minas, construir suas casas e cidades com nosso suor, sangue e lágrimas como gentes do seu povo fizeram por nós. Permitam que nossos corpos sejam enterrados anonimamente embaixo de suas estradas e cidades, como fizeram os vossos povos por nós.

E então, sòmente então, poderíamos perceber que somos irmãos e irmãs de sangue , porque o seu povo derramou sangue por nós e nos abençoou, e vocês nos teriam dado a graça e a oportunidade de derramar nosso sangue em favor de vocês. Talvez depois disso poderíamos começar a entender juntos a amplidão, o comprimento, a profundidade, e a altura do amor de Cristo que derramou por nós ambos o seu precioso sangue e derrubou o muro de partição para nos fazer uma só família n’Ele!

Mas hoje precisamos pedir a vocês, perdão a algo imperdoável. Por favor perdoem-nos. Por favor perdoem os pecados do nosso povo contra vocês. Perdoem os pecados de nossa nação contra as nações de vocês.

As gentes provindas da Africa em uma imigração forçada, ajudaram a construir o nosso país não apenas com suor, trabalho árduo e sangue. Esta pessoas e seus descendentes tem construído com suas mãos, sua cabeça e pernas (como Pelé, Ronaldo, Robinho, etc.), com coração, mente e sentimentos cálidos como muitos músicos, romancistas e artistas, ou com habilidades técnicas como médicos, engenheiros, juristas, políticos, em todas as esferas da atividade humana. Muitos são membros de igrejas, e com sua fé , esperança e amor tem sido pastores, bispos, professores,líderes e santos. O seus povos e seus descendentes tem sido uma benção para a nossa nação. Em vez de devolverem o mal que receberam com o mal eles tem abençoado a nós com a riqueza de sua música, enriqueceu a nossa cultura alimentar com sua contribuição, e sobretudo com a sua maneira rica e peculiar de ser humano, de ser gente, um próximo e irmão de alma, como estamos experimentando esta semana com vocês. Seus povos e descendentes se tornaram parte integral de nosso país, e de nossas famílias. Muitos de nós nos orgulhamos de ser em certa medida, descendentes dos povos da Africa.

Por favor aceitem-nos como seus servos e servas, seus escravos e escravas em nome do Senhor Jesus. Com amor e ternura fraternais,

(Seguem 59 assinaturas)

Participantes brasileiros em Cape Town 2010

Cape Town, 24 de Outubro de 2010

Crédito foto: Lissânder Dias. Legenda: Pr. Key Yuasa abraça líder africana após ler pedido de perdão.

    • Sr. Eduardo escreveu:
      “Que coisa mais vexatória! Que oportunismo barato! Que subserviência infeliz! Que hora mais inoportuna! Que senhor esse Yusa, com um discurso político-ideológico rasteiro!”
      Deus já pode tirar férias, temos um substituto para Juíz – alguém que sabe sondar mente e coração.

  1. Creio piamente que seremos eternamente devedores ao continente afriacano pelo que seus ancestrais fizeram por nós, não por vontade própria mas sim pelo motivo da escravidão humana, como todos nós sabemos. Lembrando que o pedido de perdão nos dá a obrigação de mudarmos de atitudes quanto do racismo qua ainda existe muito forte no Brasil contra os negros.

  2. Tive a honra de estar em Lausanne 3. E honra ainda maior de participar ao lado do Pr. Key Yuassa deste momento de reconciliação. Para a maioria da delegação brasileira a percepção é de que foi nesta ocasião e na ação seguinte (visita da delegação africana ao auditório onde estávamos reunidos) que o Espírito de Deus se mostrou de forma mais intensa a nós. Pr. Key, o mais velho da turma, se mostrou conciliador e sábio e teve uma participação importante dentro da delegação brasileira. Publiquei aqui o texto sobre esta experiência.

  3. Pergunte a um aluno da University of Cape Town o que ele acha do que se chama nos Estados Unidos de ‘afirmative action’ e muito provavelmente muitos responderão como Sam Mgobozi, 19, “Are we here because we’re black or are we here because we’re intelligent?”. Qual o sentido do ato do Pastor Yuassa? (1) “Reconciliação” foi feito (Desmond Tutu) e como processo, vem ocorrendo. A atitude de Yuassa é colonialista; (2) se eu disser que sou “devedor” (Ideildes), tenho que pagar e não de mudar de atitude, posto que: (A) não se espera que um cidadão brasileiro hoje pague por um desastre de cinco séculos, (B) e nem implica que eu, como cidadão brasileiro hoje tenha que mudar de “atitude”. Nunca concordei nem concordo com o apartheid e nem minha cultura brasileira favorece isso desde que eu me entendo por gente. Não existe mais a atitude e o comportamento do período colonial. Moro no Nordeste brasileiro. Inicialmente eu ficava com ‘dó’ do Nordestino. Como ‘Sulista’ eu me sentia ‘culpado’ pelas mazelas daqui. Errei feio. O Nordestino é um tipo honrado que não precisa de minha condescendência. Como o Sam Mgobozi, não é por que ele é Nordestino, mas por que ele é inteligente que eu o respeito.

  4. Lamento e me entristeço com a nossa incapacidade de praticar e de arcar com as responsabilidades da confissão coletiva, prática tão apropriada também no contexto das Escrituras.

    “Subserviente”, quiça “infeliz” e “inoportuno”,
    Gustavo

  5. Responsabilidade é individual. O coletivo, sobretudo nesse assunto, é viés ideológico do qual não participo. Eu não respondo, nem como indivíduo nem como parte da ‘nação’ dos erros do passado. Respondo pelos meus. A tentativa de cooptar as Escrituras a título de propaganda não me convence. Aliás, já é espúria em si a idéia do cooptar. Quantos não fizeram e não fazem até hoje? Não transfira a sua incapacidade para outrem julgando-se capaz de ‘ver’, ‘enxergar’ ou pelo ‘olhar’ de quem assumiu certas linhas mestras de um raciocínio para a questão da escravidão que não se justifica. Onde vc escondeu Gilberto Freire? Vc é do tipo ‘uspiano’? Já leu Demétrio Magnoli?

  6. Creio que a delegação brasileira agiu corretamente. Sim, pessoalmente eu não comprei escravos, e apenas muito indiretamente fui beneficiado pela escravidão. Mas toda a sociedade brasileira o foi, indiretamente. Muito indiretamente eu fui.

    Caso estivesse presente, assinaria o pedido de perdão, reconhecendo estes fatos.

    Como já foi comentado, o pedido implica em revisão de pontos de vista, em modificações de atitudes. Quais serão, o momento histórico individual e coletivo apresentará oportunamente.

    Acrescento que a igreja ocidental também deve pedir perdão aos povos orientais que foram por nós colonizados. Se o Evangelho encontra dificuldades naquelas paragens, parcialmente a conduta de nossos antepassados que misturaram evangelização com comércio e a salvação com lucros é responsável. Foram cristãos que massacraram os árabes na queda de Jerusalém na primeira cruzada; foram cristãos que deceparam a mão de africanos “rebeldes” no assim chamado “Congo Belga”; são cristãos os países que se enriqueceram com as colônias e hoje recusam seus cidadãos.

    Não vivemos em um mundo perfeito, mas é parte de nossa vocação curarmos as feridas que podem ser curadas, limitar as que podem ser limitadas e procurarmos não abrir outras.

Leave a Reply to eduardo ribeiro mundim Cancel Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *


The reCAPTCHA verification period has expired. Please reload the page.