1960 – Quando Viçosa tinha dez mil habitantes

Sou obrigado a comemorar, pois a data é muito importante para mim e minha esposa. Hoje, 12 de fevereiro, faz 50 anos que chegamos em Viçosa, depois de uma longa viagem de trem, com uma criança de um ano no meu colo e outra de menos de um mês no colo de Djanira. Descemos — eu com 30 anos e ela com 28 — de madrugada na estação ferroviária e fomos a pé para a casa que havíamos alugado na rua dos Passos, esquina com a travessa Simonini. Ali perto morava o padre Antonio Mendes, 16 anos mais velho do que eu, capelão da Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (UREMG, hoje Universidade Federal de Viçosa). Não demorei muito a ir à casa dele e levar-lhe de presente um Novo Testamento bilíngue (português/inglês). A mãe dele, dona Bárbara Simonini Mendes, era muito amável conosco.

Fui o primeiro pastor protestante a fixar residência em Viçosa. Juntei-me a uns quinze estudantes da UREMG que eram evangélicos e já se reuniam em uma casa na rua Benjamim Araújo, esquina com o Hospital São Sebastião. Alguns deles são hoje professores aposentados da UFV e ainda moram em Viçosa: Osmar Ribeiro (ex-diretor do Centro de Ensino e Extensão), Daison Olzany Silva (do Departamento de Microbiologia), Paulo Afonso Ferreira (do Departamento de Engenharia Agrícola) e Ieda Lobo da Silveira (do Departamento de Economia Doméstica). Além destes, encontrei aqui a senhora Maria José Pinto de Andrade (casada com o advogado Plínio Dias de Andrade) e seus filhos, a professora Sônia da Silva (do Departamento de Economia Doméstica), bem como a família de Jacy Ferreira de Sousa, gerente do antigo Banco de Crédito Real de Minas Gerais, que havia chegado aqui um mês antes de mim e, por coincidência, havia sido batizada por meu pai, pastor, em Campos dos Goytacazes, RJ.

Em 1960, Viçosa tinha 10 mil habitantes. Oitenta por cento da população dos bairros Conceição e Lourdes tinham vindo da zona rural. Era uma das regiões com menor renda per capita do Brasil . Na UREMG, os salários dos professores eram pagos com alguns meses de atraso. O comércio cooperava vendendo tudo a prazo. Só havia dois prédios (o chamado prédio principal e o alojamento masculino), a casa que hospedava as poucas alunas é a atual Reitoria. Poucas ruas eram calçadas. Havia muita poeira e muito frio. A energia elétrica era péssima. O telefone funcionava com o auxílio da telefonista e na base de manivela. As estradas eram de terra, intransitáveis na época das chuvas. Em termos de moradia, o que havia de melhor eram as 52 casas de professores da Vila Gianetti.

Não havia separações conjugais, nem amor livre (salvo, quem sabe, um e outro caso muito na surdina), nem motéis nem esposas adúlteras. Porém, havia o prostíbulo chamado Muzungú. Havia também, eventualmente, maridos adúlteros, como aquele dentista que separava os dias pares (segundas, quartas e sextas) para a esposa e o consultório em Viçosa, e os dias ímpares (terças, quintas e sábados) para a amante e o consultório em Teixeiras. Os domingos ele reservava para o seu lazer predileto (pescaria). Os homens chegavam do trabalho, tomavam banho, jantavam e iam para a rua ou para os bares, deixando a esposa e os filhos em casa.

Não havia igrejas evangélicas (exceto o grupo que se reunia na rua Benjamim Araújo), nem centros espíritas, nem terreiros, nem maçonaria, nem clubes de serviço (Lions, Rotary). A cidade era extremamente católica e o partido político dominante era o Republicano. Dizia-se que quem não fosse católico nem do PR teria dificuldade de conseguir emprego até mesmo na universidade. O catolicismo de então era acentuadamente conservador e tridentino. Isso tem muito a ver com o histórico Seminário de Mariana, o terceiro mais antigo do Brasil, aberto em dezembro de 1750. Na ocasião, o próprio papa Bento 14 solicitou ao frei Dom Manuel da Cruz, primeiro bispo de Mariana, que pusesse “particular empenho em lotar sua diocese de um seminário, como exige o Sagrado Concílio de Trento”. Ora, ao decretar a instituição na sessão de 14 de julho de 1563, um dos objetivos do Concílio de Trento era promover a chamada Contra-Reforma. Embora realizado quase 400 anos antes, as resoluções de Trento ainda estavam em vigor.

Na primeira Sexta-feira Santa que passei em Viçosa (abril de 1960), assisti a organização da Procissão do Enterro do terraço do prédio que fica na esquina da praça Silviano Bandão com a rua dos Passos. Vi o padre Carlos dos Reis Baêta Neves com o microfone na mão exortando um casal de namorados a entrar na procissão. Ouvi a banda de música tocar a Marcha Fúnebre e vi os que carregavam o caixão do Senhor morto. Senti-me mal com aquela ênfase demasiada à morte de Jesus, comum em todo catolicismo ibérico. Na Sexta-feira Santa ninguém ficava em casa.

  1. eis ai um grande padoxo para nos dois, hoje em 2013 voltei para vicosa depois de 20 anos fora do brasil e me sinto que voltei para os anos 20 tanto na questão da infraestrutura quanto na civilidade e algo mais. Agora vc pare e pense que viveu mais no passado eu ou vc?

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