Vimos o Filho Pródigo assumir a postura de quem ouve, ao refletirmos sobre a meditação devocional (meditatio). Entretanto, se esse ouvir tem a forma de diálogo (usamos a expressão usada pelo próprio Deus: “vinde e arrazoemos”, de Is 1:18), então percebemos que a oração já está presente desde o início da Lectio Divina. A separação em etapas tem fins didáticos, apenas. No frigir dos ovos, elas se confundem.

Terminamos aqueles pensamentos dizendo que sabemos como termina a meditatiodo filho surdo: “Então, caindo em si, disse: quantos trabalhadores de meu pai têm pão com fartura, e eu aqui morro de fome! Levantar-me-ei, e irei ter com o meu pai” (Lc 15:17-18a).

Na minha separação desses componentes (lectio,meditatio, oratioe contemplatio), reservei para a oração devocionaluma postura muito particular daquele que deseja se alimentar da Palavra de Deus. Alguns a encontram junto com a meditação, mas como estamos apenas didatizando, prossigo com esse elemento isoladamente.

Existem orações não devocionais? Aí está mais uma pergunta retórica, com fins didáticos. E a resposta é “sim, para explicar”: são aquelas que não têm o intuito principal de oferta. Incluo entre elas as súplicas, as intercessões, as explicações, as doxologias (afirmações de fé), o louvor, as ações de graça e também os “até quando?”. Reservo a natureza devocional para a intenção predominante de devotar,oferecer. Aí se incluem os votos, as decisões, as promessas, as declarações de submissão, de amor, de lealdade, de desejo de servir a Deus e assim por diante.

Está claro que, em uma mesma oração, muitos desses elementos poderão estar presentes. Mas olho com lente de aumento esse momento singular do coração: “Levantar-me-ei, e irei ter com o meu pai” (Lc 15:18a).

O que Jesus está descrevendo, aqui? Penso que, entre tantas possibilidades de resposta, ele está revelando um coração que amadureceu com a meditação. Aquilo que começou com soberba, egoísmo, altivez e separação; aquilo que passou pelas lutas da leitura guiada pelo Espírito, dos arrazoados com Deus; aquilo que foi queimado pelas chamas da meditação, agora deságua em decisão, em resposta, em responsabilidade, em maturidade. Agora, aquele rapaz magoado, marcado pelas rupturas de sua história, diz, em vista de todo o arrazoado que agora se encerra: “eis o que farei”. E Jesus nos mostra, agora, uma pessoa diferente, um homem: “E, levantando-se, foi”. Mal sabia ele o que o aguardava! Mal sabia ele o que seu Pai lhe preparava; que seus planos para esse rapaz seriam em tudo mais altos e satisfatórios do que ele próprio poderia esperar.

Essa capacidade de responder por si mesmo, caracterizada no ato de oferecer, de devotar, está no cerne das transformações que a adoração verdadeira produz. E é isto que se salienta na oração devocional, na oratio. Realizadas a leitura e a meditação, imediatamente surgem, muitas vezes em forma de esperança, perguntas tais como: o que Deus fará? Será que ele atenderá à minha súplica? Será que ele gostará do que estou sentindo ou dizendo? Mas a pergunta que minha lente de aumento quer ampliar é essa: “que darei ao Senhor por todos os seus benefícios para comigo?” (Sl 116:12). Gratidão. O salmista mesmo responde, dispondo o coração a cumprir os seus votos. Mas podemos acrescentar a essa oração de oferta: “o que me cabe fazer? o que posso eu fazer, se o Senhor for servido me ajudar?”. Esse “fazer”, aqui, é bem genérico, claro; vale até a decisão de não fazer nada, quando a questão for aquietar-se, confiar, entregar ou descansar. Talvez a palavra propósitose encaixe melhor.

Não nos iludamos, ao contemplar aquele rapaz de joelhos na lama, em meio a espigas e alfarrobas, cercado de porcos. É momento sagrado; é momento sobrenatural; é tempo de milagre. Na oração devocional a pequena águia, tendo exercitado suas asas, já tem a confiança necessária para vencer o abismo. Então, erguendo-se, lança-se no ar.

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