Para que serve Deus? Para nada. Bem, pelo menos deveria ser assim. Deus deveria ser inútil. Explicando: Deus deveria ser nossa eterna fonte de prazer e gozo. Sem a necessidade de nos ser útil; sem que esse prazer dependesse de pedidos atendidos, problemas resolvidos, exercícios espirituais, teologias etc. Fomos criados para apenas “curtir” a sua presença, a sua amizade, a sua beleza, numa alegria e paz sem fim. Fomos concebidos para ser um com ele, assim como é o Filho com o Pai.

Sua presença apagaria todas as nossas preocupações, ansiedades, frustrações, medos, temores e coisas assim. Bastaria a nós estar com ele, plenos de felicidade; sem relógio, sem passado e sem ansiedades. Uma versão completa do pouquinho que experimentam amantes apaixonados, quando se encontram. Imagem pálida do amor que experimenta um pai quando pega sua filhinha no colo pela primeira vez: tudo para; tudo cala; tudo se resume aos dois.

Seria como quando a corça deixa de suspirar e encontra a corrente das águas (Sl 42.1). Seria como quando a criança desmamada se aquieta nos braços de sua mãe (Sl 131.2). Seria como se finalmente habitássemos “na casa do Senhor por longos dias” (Sl 23.6). Seria como quando nos víssemos diante da face de Deus (Sl 42.2). Ou como quando a trombeta tocasse e o noivo entrasse para as bodas (Mt 25). Seria como aquele dia em que nossas lágrimas fossem enxugadas em consolo definitivo (Ap 21.4).

E para que serviriam todos esses momentos inefáveis? Para nada, insisto. Pensar na utilidade deles seria amesquinhá-los, pois nossa alma secretamente anseia por eles. Sonhamos ver cada um deles transformados em estado permanente; o “estado de graça”. Finalmente, o peregrino chegaria ao seu destino; o que procura encontraria; ao que bate, abrir-se-lhe-ia; o que tem sede beberia; eternamente. E seríamos “felizes para sempre”.

Tudo isso estava à disposição de Elias, naquela caverna (1Rs 19.11-16). Ele havia determinado a seca e a chuva; havia vencido os profetas de Baal e humilhado os falsos deuses. Agora, exaurido e deprimido, lambe suas mágoas. Tal era a agitação de sua alma que Deus precisou esperar para lhe falar. E disse: “Elias, o que fazes aqui?” — fugindo de Jezabel, como quem teme a homens?

Quando as razões eclesiásticas, missionárias, funcionais — utilitárias, enfim — cessarem, o que será da nossa devoção de servos do Senhor?

Pastores, professores, missionários, presbíteros, diáconos, ministros e tantos outros “agentes do reino” precisam considerar o momento em que, eventualmente, entregarem ou perderem seus cargos e voltarem ao banco da igreja. O que serão e farão agora? Estranharão o seu Deus como um casal que se olha após o casamento do último filho? Após tanto tempo de dedicação aos filhos, agora, ninho vazio, olham um para o outro como estranhos? Não. Que essa eventual exoneração nos seja uma promoção honrosa — e deliciosa. Agora, Deus nos será companhia ainda mais próxima e verdadeira; presença constante, pessoal e íntima. O cálice que, finalmente, transborda.

Agora, sim, sem “para quês”, restarão encontros inesperados com o Amado de nossas almas. Sem relógios, sem esboços, sem demandas, sem agendas. Só nós e ele. Enquanto ele quiser que assim seja. E até que nos chame.

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