artigo publicado na seção “Ponto Final”
revista Ultimato 362

 

Marco Zuchi

Marco Zuchi

Somos todos fracos. Nascemos ameaçados de morte. Não somos capazes de sobreviver aos primeiros desafios de nossas vidas. Sem o cuidado de alguém, ou o simples recurso de um fogo aceso, morremos. Se comparados a uma simples formiga, somos muito fracos. Quem de nós é capaz de carregar dez vezes o seu peso, por dez quilômetros? Quem de nós é capaz de fazer isso apenas uma hora após o nascimento?

Temos medo das ameaças de morte. Medo da fome, do frio, de animais, de insetos, de gente desconhecida, de ambientes hostis, de abismos, de assaltantes, de mar bravio – e de baratas e lagartixas. Mas isso já é outra história.

Em razão desse medo, tão natural e corriqueiro a todos nós, passamos a vida em busca de segurança. Conforto esse que vem dos “recursos” que amealhamos. Recursos, aqui, podem ser a ajuda dos outros, como o desvelo dos pais, ou o poder pessoal, simbolizado pelos músculos. O sobrevivente por excelência é uma pessoa forte, cercada por uma rede de cooperação. Antigamente, ao escolher um marido, a mulher procurava para seu companheiro um homem musculoso ou hábil guerreiro e líder de um grupo vitorioso. Alguém que lhe garantisse a sobrevivência da prole.

A sofisticação que a vida traz a esses “recursos” pode nos levar a buscar diversas formas de poder, seja sobre a natureza, seja sobre as pessoas. Assim, em nossa luta pela sobrevivência, amealhamos energias provenientes de complexos mecanismos de troca com nossos semelhantes. Essas energias e recursos, ao serem acumulados, convertem-se em alianças, ferramentas, contas bancárias, patrimônio, tecnologia etc., sem mencionar os bens imateriais, tais como honra, prestígio e fama. No fundo, tudo isto se resumiria em poder, em sobrevivência.

Em geral, as origens de nossa busca por segurança são invisíveis aos nossos olhos. São inconscientes. Não distinguimos naquilo que fazemos a luta pela sobrevivência, ou o medo da morte. Nossas inseguranças, ansiedade, timidez, vaidade etc. são vistos como temperamentos e modos de ser, sem ligação com a forma como resolvemos os problemas básicos relacionados ao medo que, em última instância será medo da morte.

Alguns passam a gostar do poder. E do complexo jogo que ele instaura. Chegam a achá-lo um recurso necessário, inevitável. Ou uma vantagem pessoal. Como no caso da riqueza, distribuída de forma assimétrica na sociedade. Afinal, “os pobres sempre os tereis convosco”. Não vou mencionar as heranças políticas, as dinastias ou as unções divinas.

Na vida comum, o poder é exercido para abrir uma torneira enferrujada ou para convencer um comprador a fechar o negócio. Ou mesmo para vencer um oponente numa modalidade esportiva. Todos os jogos são jogos de poder. Como se a vida fosse um “jogo de dificuldades”, no qual o mais hábil ou forte vencesse e adquirisse vidas, como num videogame.

Adormecido, por toda uma existência, esse assunto saltará à consciência na velhice. Seja como lembrança do desamparo dos primeiros anos (marcas profundas, que ficam em atividade por toda a vida), seja para viver novas formas daquele mesmo medo, daquela insegurança. Sim, a senilidade é também um problema de poder. O problema de não mais poder. Com o agravante da consciência sobre o que se passa. E por isso, o idoso tem medo. Muito antes de ter consciência disso, ele já começa a se tornar controlador. Está lutando contra a perda de poder. Em última análise, do poder de se manter vivo.

Existem muitas palavras de sabedoria, nas Escrituras, para lidar com esse tema na infância, na vida adulta e na velhice. Sabendo que a fase anterior prepara para a posterior. De modo que a recomendação de obediência à criança, ou aquela de honrar pai e mãe estão tratando da questão do poder. As exortações contra a ansiedade também. E a recomendação caminha sempre na direção da confiança num Deus bom e cuidadoso e na entrega dos seus fardos a ele (sim, a luta pelo poder é um fardo imenso). Essa sabedoria nos ensinará sobre o cultivo da mansidão; da disciplina, ou da arte, do “não poder”; sobre devoção e entrega (Sl 37.5).

Não é assim o ato de adoração? Não é assim o ato de contrição? Não é assim a invocação do Senhor como rocha, força, castelo, refúgio? Não é essa a oferta de um jugo suave e de um fardo leve?

Sem essa sabedoria, jamais compreenderemos a graça de Deus, pois, para aprender sobre ela é preciso se colocar na posição de quem recebe, uma posição de fragilidade; jamais usufruiremos de sua providência, pois para isso, precisaremos esperar nele, atitude de grande vulnerabilidade; jamais descansaremos em seu amor, como as aves do céu ou os lírios do campo. Sim, jamais nos fará sentido um poder que se aperfeiçoa na fraqueza.

A sabedoria bíblica nos propõe a lógica do Cordeiro, como objeto de imitação: a de que seremos tão mais poderosos quanto menos medo da morte tivermos – porque ele cuida de nós.

E quando a idade chegar, não nos angustiaremos. Saberemos vivê-la na harmonia e confiança de que o mesmo Deus que cuidou de nossa infância, juventude e vida adulta, livrando-nos dos perigos, cuidará, agora, da nossa progressiva fragilidade. Teremos sido treinados, ao longo da vida, como testemunhas do Cordeiro, na arte do não poder.

Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus. Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra (Mt 5.3-5 – ARA).

 

 

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