Ouvi recentemente, no rádio, uma entrevista com famosa obstetra sobre depressão neonatal. Ela apresentava ma abordagem diferente dos costumeiros critérios de Apgar, causas de problemas pós-parto. Dizia que os recém-nascidos podem ficar tão deprimidos que têm apneias ou até  paradas cardíacas, além de distúrbios de sono, falta de fome etc., problemas que podem levá-los à morte.

Me impressionaram as causas “sociais” apresentadas pela doutora. Enquanto no útero, a criança está na penumbra, aquecida, com liberdade de movimentos, ouvindo a voz e os sons da mãe. Ao nascer, se é separada da mãe por problemas, tais como incubadora ou tratamento de alguma complicação, deixa de ouvir a voz da mãe, perde os movimentos, é manipulada por estranhos, ao ser amamentada; não enxerga o rosto da mãe, nem ouve a sua voz.

Esse estado de abandono lhe causa uma apatia, uma desistência de viver, e ela pode ir a óbito. Nas palavras da doutora: “ela já não olha para quem a alimenta, já não procura por comida, com aquele grito forte; no máximo chora baixinho, ou geme”.

Depressão. Pode?

E eu fico pensando se a humanidade não desenvolveu na alma uma depressão parecida, oriunda da nossa expulsão do Éden, que entendo como o parto da humanidade. Uma espécie de falta de ânimo existencial. Ou uma falta de alma, se preferir.

Sim, já não estamos mais naquele ambiente de amor, de ouvir a voz do Criador (metaforicamente nossa mãe); já não temos a liberdade de movimentos que tínhamos antes da tragédia. Agora estamos amarrados por panos que nos tolhem até os sonhos; muitos já não ouvem mais aquela voz à qual estavam acostumados desde que “se entendem por gente”; muitos já não são mais acalentados por ela, mas por outras vozes (na maioria eletrônicas); e adormecem ouvindo as “cantigas do Egito”.

Agora precisamos “ir à luta” e comer do suor do nosso rosto. Agora estamos sozinhos, em meio a estranhos. Muitas vezes sendo cuidados por eles. Para fazer contato temos que superar muitas barreiras, além do nosso próprio silêncio; além da nossa própria inabilidade congênita, proveniente da desconfiança. Já aprendemos que o amor nos torna vulneráveis. Algumas dessas barreiras simulam a própria vida, com intervalos comerciais, claro.

Talvez seja por isso que às vezes sonhamos com o céu. Ou que sentimos saudade dele. Talvez seja por isso que certos momentos familiares como os encontros do Natal; ou eclesiásticos como reuniões com irmãos, com quem tenhamos desenvolvido longa e profunda amizade, nos falem tanto de eternidade. E chegamos a dizer (e cantar): “é céu aqui”. Estamos dizendo: “é o Éden de volta”. Claro, um vislumbre da glória; passada e futura. Da passada, temos saudade; em relação à futura, temos esperança.

A depressão produz efeitos variados nas pessoas. Mas um sintoma comum é o desânimo. Perde-se a vontade de levantar pela manhã. Tudo fica difícil; nada vale a pena.

Houve um tempo em que tomei a famosa “Erva de São João”. É o Hipérico, um anti-depressivo natural. Ele atua de tal forma que certas motivações, que começavam a esmorecer, retornam, e os projetos e ideias voltam a valer a pena. E a gente se lança a eles, empreendendo esforços e mantendo o ânimo por longo tempo. Tornamo-nos longânimos.

Penso que o Evangelho atua assim, também, sobre nossa depressão existencial. Entretanto, ele vai mais fundo que o Hipérico; ele restaura a “esperança da glória”. Mais que isso, ele nos traz de volta muito do que foi perdido no Éden. E nos aponta para a plenitude de sua restauração. Mas já não o antigo Éden natural; porque a ordem das coisas é essa: primeiro o natural; depois o espiritual. De modo que a segunda criação, em Cristo, seja em tudo superior à primeira.

Até que nossas almas, saciadas de intimidade, já não sintam mais a separação. Porque, no seio de Abraão, esta já não existirá.

  1. Já havia lido e refletido sobre o momento em que o recém nascido é separado da mãe pelo parto, e que é um grande choque para a criança. No parto em que eu vim ao mundo ainda houve o agravante de que o médico teve uma parada cardíaca fatal, onde houve sofrimento também para minha mãe. Tragédias à parte, sua reflexão sobre a separação entre o homem e Deus desde o Éden é muito inspirada e nos leva a desejar ardentemente o momento de nosso reencontro com o Pai! Sábias e inspiradas palavras, Rubem! Obrgado.

  2. Sem dúvida um belíssimo texto que mostra o quão “depressivos” ficamos, desde o dia em que nos desconectamos do Criador. Minha esperança, é de não precisar mais dos variados “hipéricos” e voltar a caminhar com ELE nas tardes do Novo Jardim.
    Parabens Rubem!
    Cléia Soares Miranda

  3. Penso, então, que é por isso que na minha devocional tenho apenas um pálido vislumbre do Eterno…No tocante ao sentimento da genitora, quando retiraram meu rebento foi como se arrancassem um pedaço de mim…Obrigada Professor!

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